Infância Urgente

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Pela estruturação da Defensoria em SP

TENDÊNCIAS/DEBATES

Fonte:FSP

JULIANA GARCIA BELLOQUE, LUIZ KOHARA e VALDIR JOÃO SILVEIRA

Com apenas 400 defensores públicos, o Estado de SP não obedece à Constituição. Sofrem a população pobre e o sistema de Justiça

HÁ 20 anos a Constituição Federal determina aos Estados a estruturação de órgão público especificamente voltado à prestação de assistência jurídica gratuita aos cidadãos de baixa renda. Em São Paulo, contudo, a Defensoria Pública foi criada apenas em 9/1/06 e conta com somente 400 defensores, o que lhe permite abrir as portas à população em apenas 22 das mais de 360 comarcas do Estado.

O 2º Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, organizado pelo Ministério da Justiça em 2005, chegou ao cálculo de que, em São Paulo, para cada defensor público, existem 58.000 potenciais usuários, pior proporção do país. O número de 400 defensores fica visivelmente pequeno quando se esclarece que o Estado possui mais de 2.000 juízes e cerca de 1.700 promotores de Justiça.

Foi na expectativa de corrigir essa distorção, a qual claramente não privilegia a acessibilidade de todos ao sistema de Justiça, que mais de 400 entidades da sociedade civil se uniram em torno do movimento pela criação da Defensoria em 2004.
Não se imaginava à época que à conquista da fundação do órgão público se seguiria outra ainda mais árdua, agora para torná-lo uma realidade de fato.

Uma Defensoria que não chega a toda a população se submete ao contra-senso de descumprir a sua primordial missão institucional: levar cidadania, conhecimento e empoderamento de direitos àqueles que não alcançam acesso à Justiça; garantir o elementar, instrumental e indispensável direito a ter direitos. Se a Defensoria apresenta as mãos aos excluídos do sistema de Justiça, o que dizer da imensa maioria da população paulista para quem não chega a Defensoria?

Da leitura conjunta dos artigos 5º, LXXIV, e 134 da Constituição Federal não sobressai outra conclusão senão a obrigação dos Estados de estruturar o modelo público de assistência jurídica gratuita aos necessitados, por meio da Defensoria, com profissionais concursados, com dedicação exclusiva à prestação de assistência integral, atuando inclusive na mediação de conflitos e na promoção de atividades de educação em direitos e tendo legitimidade para a defesa dos interesses coletivos dos hipossuficientes por meio da propositura de ações civis públicas.

Com o quadro diminuto de 400 defensores, o Estado de São Paulo desobedece ao reclamo constitucional. Sofre com isso a população pobre, que não tem recebido um atendimento integral. Sofre, outrossim, o sistema de Justiça, não apenas por sua pouca acessibilidade mas também no que tange à sua eficácia, recebendo demandas desnecessárias, que poderiam ser resolvidas pelos meios alternativos de solução de conflitos dos quais lança mão a Defensoria.

Mas não é só. Os cofres públicos também sentem a falta de defensores no Estado, pois o atual modelo de terceirização por meio de convênios com entes privados, como a OAB, mostra-se cada vez mais custoso do que o modelo público de prestação do serviço.
Enquanto os gastos com o convênio da OAB atingiram a marca de R$ 272 milhões em 2007, a Defensoria Pública, com sua atual estrutura, atende a aproximadamente 850 mil pessoas e gasta cerca de R$ 75 milhões por ano.

O valor gasto com o convênio é suficiente para quadruplicar a estrutura da Defensoria e sua capacidade de atendimento.

Há alguns meses tramita no governo do Estado anteprojeto de lei que cria cem novos cargos de defensor público por ano nos próximos quatro anos. O governador tem iniciativa exclusiva para o envio do projeto à Assembléia Legislativa.

Além do pequeno número de defensores, a instituição conta com uma remuneração muito inferior às demais carreiras jurídicas, sendo três vezes menor do que a remuneração do Ministério Público e da magistratura e metade da remuneração dos procuradores do Estado, o que tem provocado a grande evasão dos profissionais para outras instituições: 15% da carreira só no último ano. Dentre as Defensorias Públicas de outros Estados, São Paulo ostenta um dos menores salários.

Percebendo o sucateamento de mais um serviço público essencial voltado à população carente, a sociedade civil se reuniu novamente em torno da causa do acesso à Justiça, agora para pleitear o fortalecimento e a valorização da Defensoria.
Mais de cem entidades, diversos juristas e parlamentares assinam manifesto em apoio à instituição que foi entregue na Secretaria de Estado da Justiça no dia 1/9 como encerramento de um ato público que percorreu o centro da capital paulista e reuniu mais de mil participantes, segundo cálculo da Polícia Militar. Além disso, no dia 24/9 ocorrerá amplo fórum de discussão dos movimentos sociais sobre a Defensoria Pública para a construção de uma agenda positiva.

Somente quando a Defensoria estiver presente em cada comarca de São Paulo, contando com profissionais valorizados de acordo com a importante função que desempenham, o Estado terá cumprido sua obrigação constitucional de garantir, com qualidade, o pleno acesso à Justiça a todo e qualquer cidadão carente.

JULIANA GARCIA BELLOQUE , 31, é presidente da Apadep (Associação Paulista de Defensores Públicos).
LUIZ KOHARA , 54, é secretário-executivo do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos.
PADRE VALDIR JOÃO SILVEIRA , 55, é coordenador estadual da Pastoral Carcerária.

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