Infância Urgente

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Toque de recolher para jovens em xeque

Brasília (DF) e Arcos (MG) - Circular pelas ruas à noite depende de idade. Em pelo menos 21 municípios brasileiros, distribuídos em nove estados, o trânsito de crianças e adolescentes com menos de 18 anos está proibido a partir de determinado horário.

Em Arcos (MG), a professora Maria de Lurdes aprova a decisão da Justiça, mas sente com os filhos Antônio Rodrigues Neto, de 19 anos, e João Pedro Lima, de 15, a redução da fiscalização. Foto: Nando Oliveira/Esp. EM/D.A Press
Apelidada de toque de recolher, a medida faz parte de uma tentativa de juízes de diminuir a violência que assola jovens, tanto como vítimas quanto algozes. A iniciativa, embora tenha provocado diminuição das ocorrências policiais em algumas cidades, criou verdadeira guerra entre grupos de defesa dos direitos da criança. Tanto que o imbróglio chegou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que na primeira sessão de agosto, no dia 4, analisará a legalidade das portarias municipais, acusadas de ferirem garantias individuais estabelecidas na Constituição Federal.

O governo já se pronunciou contrário à medida. "A edição de portarias judiciais foi limitada no artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em relação à forma como estava descrita no Código de Menores. Ou seja, precisam, agora, ser editadas caso a caso. Além disso, o artigo 5º da Constituição também assegura o direito de ir e vir a todos", critica Carmen de Oliveira, subsecretária de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial de Direitos Humanos, ligada à Presidência da República. É também ao ECA que o juiz Evandro Pelarin, responsável por uma das primeiras portarias no país sobre o que ele chama de toque de acolher, e não recolher, apega-se. "Ninguém menciona que há restrições legais no ECA em relação ao direito de ir e vir. O artigo 227 inciso 5º da Constituição, prevê ainda a possibilidade de privação de liberdade, inclusive de crianças", rebate.

Embora o CNJ ainda vá se pronunciar, o conselheiro do colegiado Marcelo Nobre teve de se debruçar sobre o assunto há mais de um mês para analisar, individualmente, pedido de suspensão do toque de recolher implementando em Nova Andradina (MS). "A portaria da juíza estava fundamentada no ECA e, portanto, entendi que não deveria ser suspensa. Houve recurso contra a decisão e vamos apreciar novamente", explica. O conselheiro diz não saber como os colegas se posicionarão, mas demonstra convicção em relação à legalidade da medida. O entendimento do CNJ vale para todo o Brasil.

O município de Fátima do Sul (MS), que há cerca de três meses instituiu o toque de recolher a partir das 22h, reduziu abordagens de adolescentes de 67 para 49 nos primeiros 30 dias. A queda de ocorrências foi de sete para três. Em Fernandópolis, que no final de 2005 começou a restringir a circulação de jovens após às 23h, o número é mais acentuado: 378 atos infracionais naquele ano, contra 265 em 2008. "Furtos, por exemplo, caíram de 131 para 55. Flagrantes referentes a armas de fogo, de 15 casos para 2", explica o juiz Pelarin. Mas nem todos municípios são assim. Em Patos de Minas, as ocorrências policiais cresceram 44% nos primeiros 25 dias de medida.

Para o soldado Jonas Otaviano Costa, da Polícia Militar de Arcos (MG),onde o toque de recolher também levou mais registros, os números não significam aumento no envolvimento de adolescentes com o crime. "Pode ser resultado de ações mais efetivas da PM e dos órgãos competentes", enfatiza. Advogado e membro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Ariel de Castro questiona os resultados positivos com o toque de recolher. "Pode até haver diminuição das ocorrências, mas apenas num primeiro momento. Além disso, temo que enquanto a polícia está perseguindo crianças e adolescentes, os crimes cometidos por adultos cresçam", diz. Segundo ele, a falta de estrutura policial levará a uma inevitável frouxidão das fiscalizações, como ocorreu com a Lei Seca.

Na mineira Arcos, que editou portaria de recolhimento de menores em 2005, a população já sente certo relaxamento. Mãe de Antônio Rodrigues de Castro Neto, 19, e de João Pedro Lima Castro, 15, a professora Maria de Lurdes Castro, 50, apoia o toque de recolher, mas salienta que nem sempre a regra é respeitada. Os filhos confirmam. Antônio Neto lembra que, no passado, ele e os amigos voltavam para casa ao ver os comissários. "Corríamos pois eles fiscalizavam mesmo. Agora tem muito jovem na rua", diz. João Pedro concorda com o irmão: "Ninguém mais tem medo de ser abordado. Eles pegam mais quem está bebendo", conta.

Fonte: Diário de Pernambuco

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