Infância Urgente

terça-feira, 13 de julho de 2010

ECA não é brando com jovens infratores, diz organização

Ana Cláudia Barros


(Em 2003, deputados receberam manifesto, que incluía pedido de plebiscito sobre a revisão do ECA /Foto:Rogério Lorenzoni/ Terra)

Considerado marco na defesa dos direitos da população infanto-juvenil, o Estatuto da Criança e do Adolescente completa, nesta terça-feira (13), 20 anos de existência. Duas décadas depois, a legislação, uma das mais avançadas do mundo, acumula vitórias e críticas.

De acordo com o coordenador do Centro de Referência para Estudos em Favor de Crianças e Adolescentes (CECRIA), professor Vicente Faleiros, o "ECA consolidou uma perspectiva reconhecida mundialmente, que tirava a criança do limbo da obediência, da submissão, do objeto, da subordinação para um protagonismo".

Faleiros, entretanto, reconhece que ainda há uma distância considerável entre o que está previsto no estatuto e o que aplicado no dia-a-dia.

- Ele propõe a preservação da criança na sua integralidade, nos seus direitos humanos, na sua dignidade, no respeito. O que nós vemos ainda é desrespeito, espancamento, ausência de creches etc.

Categórico, Faleiros rebate as acusações de que o ECA seria demasiadamente brando em relação aos adolescentes em conflito com a lei.

- É uma visão distorcida. O estatuto é a favor da sanção. Não é pela impunidade. Há, por exemplo, o Pimenta Neves (jornalista), que matou a namorada, está solto até hoje. O adolescente vai logo para a internação. O índice de reincidência dos adolescentes internados é de 20 a 26%. O índice de reincidência de quem passa por uma prisão de adulto é de 60%. Então, a medida educativa é muito mais eficaz do que a prisão do sistema penitenciário.

O mesmo tom enfático se verifica quando o assunto é a redução da maioridade penal, discussão que ganhou espaço no Congresso Nacional e vem dividindo opiniões. Sobre os políticos que defendem a bandeira, dispara:

- Ao invés de investirem em educação, estão investindo em mais repressão. Isso é para dar satisfação à sociedade e culpar o adolescente, transformando-o em bode Expiatório. Os adolescentes que cometem homicídio não são nem 1% dos homicidas. No Brasil, 99% dos que praticam assassinatos são adultos. Esses políticos da lei e da ordem querem mais repressão.

Confira a entrevista.

Terra Magazine - Quando criado, em 1990, o ECA foi considerado avançado em termos de direitos humanos. Vinte anos depois, ainda pode ser considerado dessa forma? Quais os principais avanços implementados pelo estatuto?
Vicente Faleiros - O ECA estava em consonância com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que havia sido aprovada na Organização das Nações Unidas (ONU), em 1989. Em nível internacional, não há nada de novo e de mais importante. O ECA consolidou uma perspectiva reconhecida mundialmente, que tirava a criança do limbo da obediência, da submissão, do objeto, da subordinação para um protagonismo.
Ainda falta muito para a sociedade chegar aonde o ECA e a convenção internacional colocam a criança. Não preciso mudar a lei, mas mudar a sociedade, para que se conforme com essa proposta.

Existe, entretanto, um abismo entre o que o ECA propõe e o que é efetivamente concretizado no dia-a-dia. Como contornar isso?
Ele propõe a preservação da criança na sua integralidade, nos seus direitos humanos, na sua dignidade, no respeito. O que nós vemos ainda é desrespeito, espancamento, ausência de creches etc. O Estado já avançou bastante. Por exemplo, está garantindo vagas nas escolas, está combatendo o trabalho infantil, está combatendo a pedofilia, a pornografia, a violência familiar. Mas é preciso avançar na qualidade do ensino, na política de saúde infantil, numa política de protagonismo das crianças, respeitando sua palavra.
Temos ainda muitas denúncias de famílias que promovem agressão física e psicológica. Então, a criança, na maioria das vezes, ainda é objeto. Não é sujeito. A realidade é muito mais difícil de mudar do que a lei. Mudamos a lei e, agora, a realidade está se transformando lentamente. No Brasil, há 70 mil adolescentes e jovens que são mortos por causas externas, todo ano. O dado é do Datasus. Causas externas são lesões, acidentes, mas, principalmente, homicídios.

O que isso sinaliza?
Ao invés de proteger os adolescentes e os jovens, estamos matando muitos deles. O risco de morrer na juventude, principalmente no caso do sexo masculino, é muito grande. Você vê o uso do crack, a submissão ao tráfico.

Isso indica que os adolescentes no país ainda se encontram em grave situação de vulnerabilidade?
Não no mesmo grau. Quanto mais escolaridade, menos vulnerabilidade. Então, famílias com mais escolaridade protegem mais. Não estou dizendo pobreza, porque tem pobre com escolaridade.
Outro fator é a existência de famílias monoparentais. Hoje, temos no Brasil, quase 30% de crianças que vivem só com a mãe. Precisamos desenvolver a paternidade responsável.

Quais as implicações disso?
É que essas crianças têm menos condições de ir à escola, menos condições de saúde. A mãe tem que trabalhar para sustentar, porque os homens que abandonam não têm responsabilidade, não dão pensão. Às vezes, nem o nome querem dar para a criança. Então, há muita falta de proteção ainda, embora o ECA pregue a proteção. Há uma facção da sociedade que propõe mais repressão.

Era sobre isso que eu pretendia falar. No que diz respeito à aplicação de medidas socioeducativas a adolescentes em conflito com a lei, o ECA tem sido muito criticado. Há quem o considere brando.
É uma visão distorcida. O estatuto é a favor da sanção. Não é pela impunidade. Há, por exemplo, o Pimenta Neves (jornalista), que matou a namorada, está solto até hoje. O adolescente vai logo para a internação.
O índice de reincidência dos adolescentes internados é de 20 a 26%. O índice de reincidência de quem passa por uma prisão de adulto é de 60%. Então, a medida educativa é muito mais eficaz do que a prisão do sistema penitenciário. Após 20 anos, está bastante comprovado que a internação, prevista no ECA, é mais eficaz do que a penitenciária.

A falta de estrutura não compromete a aplicação das medidas socioeducativas propostas pelo ECA?
Os governos estaduais não investem em recursos, pessoal, em infraestrutura para a aplicação dessas medidas. Principalmente os municípios, que têm que investir na liberdade assistida. É importante já sancionar o adolescente quando ele comete o primeiro ato infracional. Não esperar que ele chegue no máximo.
Os municípios têm que oferecer condições para o cumprimento da liberdade assistida, se o adolescente, por exemplo, está participando de tráfico, furto. Do furto, ele pode ir para o roubo, para o crime organizado. Mas se ele tiver uma medida no município, ele já vai ser advertido, controlado, por aquela pequena ação de infração, evitando que ele chegue ao máximo.
As Varas da Infância e da Juventude podem punir, mas no município não tem estrutura. Essa discussão, agora em época de eleição, é interessante. Não é governo federal que vai resolver tudo. Ele pode dar recursos. Quem executa o ECA são estados e municípios.

O artigo 112 do ECA prevê internação, uma das medidas socioeducativas, de no máximo três anos. Isso tem sido muito contestado. O argumento é que o tempo é insuficiente para a reabilitação de um adolescente que provoca, por exemplo, uma morte violenta, como o caso do Champinha (apontado como idealizador da morte do casal de namorados Liana Friedenbach e Felipe Caffé. Na época do crime, em 2003, Champinha, que ainda violentou Liana, tinha 16 anos). Não seria o caso de rever o artigo 112?
Rever para quê? Para botar o menino mais cedo na penitenciária? Não adianta mudar o lugar da internação. Tem que dar condições de o ECA funcionar. O juiz pode aplicar depois da internação a liberdade assistida. Ele pode mudar o tipo de sanção. Não precisa aumentar a internação.

Casos de violência praticados por adolescentes ganham, com certa frequência, espaço nos noticiários, levantando o debate sobre a redução da maioridade penal, defendido por alguns políticos. O que o senhor acha sobre isso?
Ao invés de investirem em educação, estão investindo em mais repressão. Isso é para dar satisfação à socidade e culpar o adolescente, transformando-o em bode expiatório. Os adolescentes que cometem homicídio não são nem 1% dos homicidas. No Brasil, 99% dos que praticam assassinatos são adultos. Esses políticos da lei e da ordem querem mais repressão.

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