Em entrevista a ZH, o congolês Denis Mukwege explica por que conflito em seu país é inútil e pede ajuda.
Estancar a violência que há mais de uma década assola a República Democrática do Congo (ex-Zaire) pela sensibilização da comunidade internacional, especialmente de países emergentes como o Brasil. Esse é o objetivo do médico congolês Denis Mukwege (pronuncia-se Denís Mukége), 55 anos, um dos mais prestigiados ativistas pelos direitos humanos do mundo, em sua primeira visita ao Brasil. Mukwege foi o terceiro conferencista do ciclo Fronteiras do Pensamento, na noite de ontem, no Salão de Atos da UFRGS, em Porto Alegre. Eram 19h56min quando tomou a palavra, agradecendo à atenção dada para seu continente. Ginecologista e obstetra em Bukavu, cidade no leste do país, Mukwege se especializou no atendimento a mulheres vítimas de estupro e mutilação na guerra entre bandos armados pelo controle de áreas ricas em minérios. Recebeu prêmios como o Olof Palme, instituído pela Suécia. Hoje, às 10h, também no Salão de Atos da UFRGS, ele fala sobre Compromisso Social da Medicina, com entrada franca.
Na manhã de domingo, menos de 24 horas depois de chegar ao Brasil, Mukwege falou por 40 minutos a Zero Hora. A seguir, um resumo:
O país
“A República Democrática do Congo é um país abençoado por Deus. Mas a bênção que Deus deu a nosso país se tornou a fonte de seu infortúnio. Lá, todas as guerras desde 1960 e mesmo antes ocorreram por razões econômicas. No século 19, o rei Leopoldo II, da Bélgica, recebeu o Congo como sua propriedade privada, pessoal – uma superfície de quase 2,4 milhões de quilômetros quadrados. Pouco depois, houve a descoberta do látex. O Congo foi um grande provedor de borracha. Leopoldo II exigiu de cada pessoa que extraísse uma determinada quantidade de látex. Se essa quantidade não fosse atingida, a pessoa tinha a mão cortada. Com todas as infecções e hemorragias, 10 milhões de congoleses morreram. Em 1960, quando o país conquistou a independência, o mesmo governo belga não aceitou a perda das minas de Katanga e deflagra uma guerra de secessão dessa região. ”
O conflito atual
“A guerra que recomeçou hoje e já dura mais de 10 anos é também pelas riquezas do Congo. Não há grupos que queiram controlar o território, não é uma guerra entre tribos, raças, religiões ou mesmo etnias. É uma guerra pelo controle das minas de coltan e de cassiterita, minérios utilizados na fabricação de telefones celulares e nos laptops. Há multinacionais interessadas em obter esses minerais. Classifico-a como uma guerra inútil, porque é possível obter essas matérias-primas sem assassinar e vitimizar mulheres e sem destruir a população local. Da maneira como a guerra ocorre, é uma guerra para destruir a comunidade local e criar um espaço em que os grupos armados exploram o coltan e a cassiterita sem controle e os exportam para o mercado mundial. Mais de 5 milhões de congoleses foram mortos, mulheres foram estupradas e mutiladas diante de seus maridos e filhos. Há mais de 2 milhões de deslocados. ”
A repercussão
“Estive no Parlamento Europeu e lhes informei do que se passa na República Democrática do Congo. Dei informações ao Senado americano. Hillary Clinton (secretária de Estado dos EUA) esteve no ano passado na República Democrática do Congo, viu a realidade com seus olhos e ouviu relatos. O que acontece lá é conhecido. Temos a força mais importante da ONU: 16 mil homens. Mas, infelizmente, é na região onde estão esses 16 mil homens que ocorrem os piores abusos. Há dois anos, um relatório foi emitido, mas não houve reação, a não ser da Holanda, da Dinamarca e da Suécia. Estados Unidos e China não fizeram nada. Creio que, se não há reação, é porque há grandes interesses de manter a exploração ilegal dos grandes recursos do país.”
As mulheres
“As mulheres são as principais vítimas da guerra porque a violação, a mutilação e a destruição do aparelho genital delas são utilizadas como uma estratégia de guerra. É uma estratégia porque é utilizada de forma deliberada. Destruir o aparelho genital das mulheres, que são o pilar da família, sem matá-las, diante dos maridos, dos filhos e dos vizinhos, é uma forma de destruí-las não apenas fisicamente, mas também psicologicamente, e a seus maridos e filhos. É uma maneira de destruir o tecido social, de destruir todos os valores, de desorganizar uma sociedade que já não era tão organizada.”
Papel do Brasil
“Minha presença aqui é para conquistar a voz dos brasileiros. Se minha conferência for assistida por mil brasileiros, se a base do Brasil pedir, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva será sensibilizado pela situação. Se a voz dos brasileiros disser ao presidente que está escandalizada com a situação e que a violência tem de cessar, isso contará muito. Hoje, sentimos a indiferença total do mundo. O peso do Brasil pode fazer a diferença.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário