Infância Urgente

terça-feira, 13 de julho de 2010

O INTELECTUAL-ACADÊMICO, O POLITICO PROFISSIONAL, O EMPRESARIO E O MILITANTE.

Por Reginaldo Bispo (Coordenador Nacional de Organização do MNU)

“Neste momento em que as atenções se voltam para a sanção ou não do Estatuto da Igualdade racial, pelo presidente da Republica. A Coordenação Nacional do MNU, em reunião, decidiu declinar do convite da Seppir, para uma conversa no dia 14/07 em Brasília, entendendo que essa conversa não terá qualquer efeito pratico ou progressivo nas relações entre Movimento Negro e governo, pois as posições já estão definidas e colocadas de parte a parte, podendo sim, aumentar a confusão no seio da população negra e na sociedade.”

Aproveito para dialogar com alguns tabus e monstros sagrados dos quais ninguém no MN, ousa discordar, especialmente a declaração do respeitado Kabengele Munanga a favor do estatuto, considerado um argumento e trunfo determinante para os apoiadores, mas que suscita muita discussão, como qualquer outra. Sempre coerente no seu discurso e nos seus escritos, o professor é um intelectual acadêmico, que eventualmente faz inserções no movimento social, mas, as suas relações (inclusive sociais) e palestras na maioria das vezes, são em ambiente e para o publico acadêmico de classe média e curiosos novos ricos.

Ora, durante o Conneb vários intelectuais negros, alguns tão brilhantes quanto ele, outros nem tanto, foram convidados a palestrar nos seminários e assembléias. Constatamos a dissintonia entre a realidade e a teoria, distantes que se encontravam das relações praticas da militância e da interpretação da vida real de negras e negros.

Não pretendendo aqui ser o dono da verdade, mas o mundo das letras possui uma relação interpretativa da vida real, que nem sempre é fiel a realidade. Importante para os acadêmicos, que valorizam aspectos nem sempre prioritários a percepção e útil a ação do militante social e do cidadão comum.

O mesmo pode se dizer dos legisladores, a lógica e os interesses dos mesmos passa por caminhos diversos do pensamento, interesse e realidade dos seres de carne e osso, normalmente com variáveis que vão do interesse pessoal a ideológico.

Vejamos, Se na academia o predomínio do debate é feito baseado em pesquisas, escritos e opiniões anteriores, no geral essas formulações não buscou vivenciar a realidade, na maioria das vezes, sequer se aproximaram do objeto de estudo.

Seres humanos pensam, discordam, se organizam e mudam sua própria opinião e historia, com base em novos interesses e perspectivas, por influencias das mais diversas variáveis, com as quais os acadêmicos não intimidade.

Quem melhor se aproxima e vivencia essa realidade é a militância, que usa os escritos, e deles retiram as analises e as conclusões, de acordo com a necessidade e visão política, ideológica e conjuntural .

O parlamento por sua vez, se move pelas praticas e interesses de diferentes atores, quase todos, dissimulados e maquiavélicos, com interesses que vão das necessidades reais de atores absolutamente incompatíveis, das disputas políticas- ideológicas, por sobrevivência política, ganância, por trabalho e salário a capital e acumulação de fortunas. Um mundo a parte de hipocrisia, interesses escusos de dominação e poder.

O mundo do parlamento espelha contradições dentro de uma mesma classe, e de concepções ideológicas, com o agravante de composições de interesses, poucas vezes por generosidade e desprendimento no bem tratar com a coisa publica.

Estes interesses via de regra, podem se compor contra o interesse publico, o que o político honesto e comprometido tem que, com sensibilidade e honestidade debater e buscar a saída, junto com seus interlocutores sociais. Especialmente se a resolução ou projeto meche com a um seguimento numericamente importante.

Nestas ocasiões, o parlamentar comprometido com o povo, busca da forma mais aberta possível abrir suas idéias incorporando as propostas provenientes do povo, discutindo a estratégia e as táticas de pressão e uso das regras parlamentares para garantir a maior o interesse da sociedade e fidelidade das propostas, buscando as melhores condições para colocá-lo em votação. Sem isso os erros no conteúdo e na tática podem ser a senha para a derrota do mesmo.

Um projeto da envergadura do Estatuto da Igualdade Racial, em um país das dimensões e complexidade do Brasil, voltado para uma população majoritária, com a oposição de um opressor poderoso no parlamento, no executivo e na economia, que detém o controle e dirige as mídias de comunicação de massa aliadas aos projetos dominantes, certamente serão manipuladas, no jogo político e parlamentar. Ao invés de melhorar e trazer benefício para a maioria, pode trazer problemas, depois só passiveis de correção, gerações depois, escravizando e oprimindo por muito mais tempo o povo.

Oras, se o parlamentar não tem compromisso, não tem sensibilidade, não domina os meandros da atividade, e é minoritário politicamente, a aprovação do mesmo é feita cedendo aos interesses dos poderosos e se submetendo a eles. Preocupações e interesses esses de um modo geral opostos aos beneficiários daquela política social.

Nestes casos, é preferível as lideranças parlamentares comprometidas com o povo, retirar o projeto, não o submetendo a votação, rediscutindo-o com os interessados e esperando um melhor momento pra votá-lo, sob pena de vê-lo desfigurado ou suas intenções invertidas.

Não foi isso que ocorreu com o Estatuto da Igualdade Racial. Foram poucas discussões com o publico alvo, não foram aceitas mudanças, pois o objetivo era o convencimento de que o produto era bom, bastava aderir, apoiá-lo e aprovar, com isso não se conferiu representatividade e apoio popular.

Porque não houve vontade em discutir com as pessoas, mas tão somente convencê-las a apoiar? A soberba e o elitismo do parlamentar burguês que se julga com a legitimidade de fazer e acontecer em nome do eleitor escudado nos votos que o elegeu. Pensa na aprovação do projeto, como um troféu individual que lhe renderá dividendos eleitorais mais adiante.

A pratica acima descrita, dos parlamentares, ocorre devido as contradições de interesses que apontamos no inicio desse artigo. Podendo mesmo aprovado o projeto, derrotar os setores que teoricamente deveriam ser beneficiados. A hipocrisia das relações parlamentares nunca faz exatamente o pensam e declaram. Esta também é a lógica da academia: O populismo e o paternalismo.

A cortesia e civilismo acadêmico também seguem uma lógica hipócrita, pois também é um ambiente de elaboração de política para as classes dominantes, e por isso mesmo, também é um ambiente de disputa pela primazia do poder. Da universidade saem os teóricos, os gerentes e os diretores dos negócios privados e estatais.

Dali também, saem parlamentares, executivos públicos das várias esferas, secretários e ministros, estes com poder de influenciar a determinação de quaisquer políticas, via de regra, associam-se a projetos que lhes dão prestigio, poder e fortuna. São raros os que se associam a projetos populares.

Por isso, o intelectual, o acadêmico, não olha para um projeto com os mesmos olhos que um militante, mas segundo os valores e interesses que cultua no seu circulo de amizades, a sua classe social e a compreensão psicológica e ideológica que o mesmo tem do seguimento popular. Sobretudo, a interpretação que faz da importância das coisas para o momento histórico que ele vive e na sua perspectiva.

A generosidade muitas vezes é hipócrita, escamoteia aspectos para favorecer circunstancias que ele lê como beneficio, batendo de frente com o provável beneficiado, que por sua realidade e experiência de vida, prefere não ter aquele mecanismo já que o mesmo limita a sua liberdade, tolhe as suas oportunidades, que poderiam ser maiores e melhores e mais efetivas em uma realidade conjuntural diferente. O Político usa a matreirice com desenvoltura, mas ela não é campo de domínio acadêmico. Mais pratico nos objetivo, raramente lê o panorama e a conjuntura.

O político e o intelectual acadêmico são pragmáticos, ambos por suas analises agem de forma populista e paternalista, movidos pelos que interpretam da realidade em seu próprio beneficio. Neste aspecto, ambos são fruto da cultura e de interesses das classes consumistas e dominantes. Mundo em que desejam adentrar como iguais.

Digo tudo isso, para concluir que a leitura do professor Kabengele, se foi só pelo parecer, trata-se de um erro clássico, da confiança excessiva nos propositores, seus iguais socialmente falando. Se leu o projeto e não identificou os problemas que a maioria da militância independente aponta, o fez sem refletir em profundidade as conseqüências. Condições mínimas e informação para identificar os problemas ele tinha, mas fez uma opção pelo alinhamento ideológico e de classe, e ai, a discussão é outra, semelhante a argumentação dos empresários negros representada pelo presidente do Anceabra, o Sr. Bosco: A classe média negra quer desfrutar seus interesses, pouco se importando com os problemas de negras e negros pobres e vitimas do racismo.

O fato é que o paternalismo e o populismo são dois mecanismos que, desarmam o oprimido no seu protagonismo, pois o acomete da sensação de uma proteção que só ele, consciente e com autodeterminação, pode escolher e julgar se deseja ou aceita. A hipocrisia judaica cristã lhe tira esse elemento de conquista, de consciência e da escolha de reação.

O estatuto do DEM, aprovado por seguimentos do Movimento negro e da esquerda, sem luta, é um elefante branco inócuo, mas também é um presente de grego, uma camisa de força que trará dificuldades futuras as pretensões de negras e negros pela igualdade, pois que levará muitos anos para ser corrigido e melhorado, dado o jogo e as regras parlamentares.

Servirá de instrumento aos racistas, quando diante de fatos previstos reivindicarmos alguma coisa. Dirão eles vocês já tem o estatuto! Se não garantira, por autorizativo e sem verba, a obrigatoriedade de qualquer política, servirá de barreira e limitação a muitas de nossas reivindicações, interpretado pela política e a justiça dominante, o tratarão fator limitante de embarreiramento legal as nossas pretensões.

As Comissões de negros nos partidos e sindicatos cumprem esse papel, as Cepir´s e as Cone´s Municipais e estaduais, assim como a Seppir federal já fazem isso guetizando e limitando nossa luta. Quem viver verá!

Pelo veto total do presidente ao Estatuto da Igualdade!

Pela Titulação de todas as terras quilombolas!

Contra o genocídio da Juventude negra!

Por um Projeto Político do Povo Negro para o Brasil!

Por Reparação Histórica e Humanitária!

Nenhum comentário: