Infância Urgente

sábado, 31 de maio de 2008

Orientação aos CTs

Varíos Conselheiros Tutelares, pedem orientação de como devem agir em relação aos abusos cometidos pelos Juízes e Promotores da Infância e Juventude. Dr. Edson Sêda responde a consulta de uma Conselheira Tutelar do estado de São Paulo.

PROMOTOR DE JUSTIÇA DÁ ORDENS PARA CONSELHEIROS TUTELARES FISCALIZAREM BARES


OI EDSON SEDA, TUDO BEM? ESTOU INDIGNADA, POIS VIM ONTEM DO SEU SEMINÁRIO EM JABOTICABAL E CHEGUEI HOJE NO CONSELHO TUTELAR E RECEBI UMA ORDEM POR TELEFONE DO PROMOTOR EXIGINDO QUE TODOS OS CONSELHEIROS VÃO FAZER FISCALIZAÇÃO EM BARES ESTA NOITE. O PROMOTOR PÚBLICO TAMBÉM IRÁ. NÃO SEI COMO VAMOS FALAR COM ELE, MAS NÃO VAMOS ACEITAR ESTA ORDEM. GOSTARIA QUE ME ESCREVESSE, POIS QUERO IMPRIMIR E LEVAR ATÉ ELE. UM ABRAÇO

VANESSA



Vanessa:

Vou responder e espero que você crie o EFEITO MULTIPLICADOR que vai ajudar muitos de seus colegas de outros municípios brasileiros, e também muitos membros do ministério público, enviando a eles cópia de sua questão e de meus comentários, para que TODOS tenham SEGURANÇA, no trato que devem DISPENSAR, assim como RECEBER dos promotores de justiça. Certo? Então, vamos lá:

A QUESTÃO:
ESTOU INDIGNADA, POIS VIM ONTEM DO SEU SEMINÁRIO EM JABOTICABAL E CHEGUEI HOJE NO CONSELHO TUTELAR E RECEBI UMA ORDEM POR TELEFONE DO PROMOTOR EXIGINDO QUE TODOS OS CONSELHEIROS VÃO FAZER FISCALIZAÇÃO EM BARES ESTÁ NOITE. O PROMOTOR PÚBLICO TAMBÉM IRÁ. NÃO SEI COMO VAMOS FALAR COM ELE, MAS NÃO VAMOS ACEITAR ESTA ORDEM. GOSTARIA QUE ME ESCREVESSE, POIS QUERO IMPRIMIR E LEVAR ATÉ ELE.

O COMENTÁRIO:

PRIMEIRO ASPECTO - AUTORIDADES AUTÔNOMAS
A primeira coisa a mostrar ao promotor, numa situação dessas é que tanto o Ministério Público de que o promotor é representante, quanto o Conselho Tutelar, de que os conselheiros são membros, são AUTORIDADES AUTÔNOMAS, com atribuições específicas previstas em lei, para ZELAR por direitos. Tanto o Conselho Tutelar deve respeitar a AUTONOMIA do promotor de justiça para atuar, quanto o promotor deve respeitar A AUTONOMIA do Conselho Tutelar para atuar. Ambos, exclusivamente, praticando os atos que a lei lhes faculta. Isso se deve ao PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (artigo quinto, II da Constituição Republicana): "Ninguém será obrigado a fazer nem deixar de fazer coisa alguma, senão em virtude DE LEI".

Então, nem o conselho tutelar pode querer obrigar o promotor a fazer coisas não previstas em lei, como nem o promotor pode querer obrigar o conselho tutelar a fazer coisas também não previstas em lei. NENHUMA lei diz que o promotor DETERMINA condutas ao conselho tutelar. NENHUMA lei diz que o conselho tutelar é auxiliar do promotor. O Estatuto (artigo 131) diz que o Conselho Tutelar é órgão AUTÔNOMO, para ATENDER crianças e adolescentes (artigo 136, I) e, não atender "ao promotor"; para ATENDER os pais (artigo 136, II) e, não, “atender ao promotor”, e ser comunicado do crime de maus-tratos (artigo 13), e não, “atender ao promotor”.

SEGUNDO ASPECTO - INVESTIGAR E PETICIONAR
A segunda coisa a mostrar ao promotor, quando ele quer DETERMINAR condutas a terceiros, é que as atribuições dele, como representante (ou membro, ou órgão) do ministério Público, são:

• A de PETICIONAR ao Judiciário, quando quiser que alguém faça ou deixe de fazer algo (e o juiz vai abrir o DEVIDO PROCESSO LEGAL, dando direito de defesa a quem NÃO QUER fazer o que o promotor quer obrigar que faça),
• E de INVESTIGAR, nas hipóteses previstas nos incisos V, VI e VII do artigo 201. No artigo 201 estão AS COMPETÊNCIAS do promotor, entre as quais não consta a de DETERMINAR coisa alguma a ninguém (que não seja investigação policial), no sistema REPUBLICANO em que vivemos.
Para INVESTIGAR, o promotor pode:

V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal;
VI - instaurar procedimentos administrativos
VII - instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e determinar a instauração de inquérito policial, para apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção à infância e à juventude;
Para INSTRUIR os procedimentos investigatórios, o promotor pode
a) expedir notificações para colher depoimentos ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela polícia civil ou militar;
b) requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades municipais, estaduais e federais, da administração direta ou indireta, bem como promover inspeções e diligências investigatórias;
c) requisitar informações e documentos a particulares e instituições privadas;
Mas NÃO PODE dar ordens a quem quer que seja, muito menos ao Conselho Tutelar, que é TÃO AUTÔNOMO em suas intervenções, quanto o promotor de justiça, no CUMPRIMENTO de suas ATRIBUIÇÕES legais.

TERCEIRO ASPECTO - PODER ENTRAR EM QUALQUER LUGAR
A terceira coisa a mostrar ao promotor, quando ele quer DETERMINAR condutas a terceiros, é que ele PODE ENTRAR, desde que esteja investigando (promovendo inquérito civil, instaurando procedimentos administrativos, instaurando sindicâncias), em qualquer lugar em que haja crianças e adolescentes (vejamos o parágrafo terceiro do artigo 201):

§ 3º O representante do Ministério Público, no exercício de suas funções, terá livre acesso a todo local onde se encontre criança ou adolescente.

O Conselho Tutelar NÃO TEM essa prerrogativa de entrar em qualquer lugar onde haja crianças e adolescentes, e NÃO É sua atribuição sair por ai fiscalizando bares.

No entanto, a FISCALIZAÇÃO de bares, quando for o caso, NÃO É FEITA nem pelo promotor, nem pelo Conselho Tutelar.
• Sob o aspecto ADMINISTRATIVO, a fiscalização é feita POR FISCAL da prefeitura, que é quem expede ALVARÁ para funcionamento administrativo dos bares, e quem EXECUTA, por mandamento constitucional (artigo 203 da Constituição) a política DE PROTEÇÃO a quem NECESSITA de proteção, chamada ASSISTÊNCIA SOCIAL, cujo profissional privilegiado de SERVIÇO SOCIAL, que tem funções PRIVATIVAS por lei para atuar, é o ASSISTENTE SOCIAL, nos termos do artigo quarto, incisos III e V da lei 8.662-93.
• Sob o aspecto CRIMINAL, quem fiscaliza bares é a POLÍCIA MILITAR para, se for o caso, PREVENIR, por exemplo (entre outros) o crime do artigo 243 do Estatuto, ou REPRIMIR quem pratica o crime (consumir tais produtos NÃO É CRIME, vender, entregar, fornecer, ministrar É CRIME; quem consome NÃO PODE ser punido, nem pode ser constrangido; quem vende, ministra, entrega ou fornece DEVE ser reprimido):
Art. 243. Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida:

Se o promotor tiver motivos para achar que andam vendendo a crianças e adolescentes tais produtos elencados no artigo 243, em bares, o que a lei diz que pode o promotor fazer,
• NÃO É convocar conselho tutelar para sair por ai USURPANDO funções seja de assistentes sociais, seja de policiais,
• Mas, sim cumprir suas atribuições (atribuições DO PROMOTOR) e INSTAURAR SINDICÂNCIA ou, se preferir (é autônomo) DETERMINAR inquérito policial para apuração de eventuais ilícitos, como manda o inciso VII do artigo 201:
VII - instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e determinar a instauração de inquérito policial, para apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção à infância e à juventude;
QUARTO ASPECTO - "BARES" NÃO SÃO "ENTIDADES" DO ARTIGO 90
A quarta coisa a mostrar ao promotor, quando ele quer DETERMINAR condutas a conselheiros tutelares é que, nos termos do artigo 95 do Estatuto, podem FISCALIZAR as ENTIDADES do artigo 90,
• tanto o juiz (em relação aos casos em que atende, com sua autonomia),
• quanto o promotor (em relação aos casos em que atende, com sua autonomia),
• quanto o conselho tutelar (em relação aos casos que atende COM SUA AUTONOMIA).
Ou seja, essas TRÊS AUTORIDADES, que são AUTÔNOMAS, cada uma em relação às demais, podem FISCALIZAR entidades, quando atendem casos. Mas BARES não são entidades do artigo 90. Não há porque nem o Conselho Tutelar QUERER fiscalizar bares, nem promotor ou juiz quererem DETERMINAR que conselho ou conselheiros fiscalizem BARES.

QUINTO ASPECTO - CONSELHO TUTELAR "DETERMINA" CONDUTAS
A quinta coisa a mostrar ao promotor, quando ele quer DETERMINAR condutas a conselheiros é que:
• Nos termos do artigo 136, I, o Conselho Tutelar tem o poder de, nos termos do artigo 101, DETERMINAR as condutas previstas nos incisos I a VII desse artigo 101.
• Mas o promotor NÃO TEM poder de determinar nada a ninguém, que não seja DETERMINAR à polícia que instaure inquérito policial PARA investigações criminais (inciso VII do artigo 201 do Estatuto).
SEXTO ASPECTO - AMBOS "REQUISITAM" SERVIÇOS
A sexta coisa a mostrar ao promotor, quando ele quer DETERMINAR condutas a conselheiros é que, no exercício da função de INVESTIGAR do promotor e no exercício da função DE DETERMINAR do Conselho Tutelar, ambos podem "requisitar" SERVIÇOS nas áreas de saúde, educação, assistência social e de segurança pública. O promotor requisita INVESTIGANDO e o conselho tutelar requisita DETERMINANDO. Vejamos o inciso do 201 que dá essa competência ao promotor:
Art. 201. Compete ao Ministério Público:
XII - requisitar força policial, bem como a colaboração dos serviços médicos, hospitalares, educacionais e de assistência social, públicos ou privados, para o desempenho de suas atribuições.

Vejamos o inciso do artigo 136 que dá essa competência ao Conselho Tutelar:
Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:
III - promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:
a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança;
• A moral final dessa história é a seguinte: O promotor poderia ter aberto investigações, poderia ter DETERMINADO investigações da polícia para apurar fatos, poderia ter requisitado SERVIÇO SOCIAL, coisa privativa do profissional chamado ASSISTENTE SOCIAL, mas NÃO PODERIA querer obrigar conselheiros nem a serem seus auxiliares, nem fazer trabalho policial, nem USURPAR função privativa de assistente social. Usurpar essa função É CRIME descrito no artigo 328 do Código Penal e promotor de justiça JAMAIS pode querer que o cidadão conselheiro pratique ESSE ou outro crime.

SÉTIMO ASPECTO - CAPACITAÇÃO FUNCIONAL
É fundamental, portanto, que a Procuradoria Geral do Estado ZELE pela adequada capacitação dos promotores de Justiça, para que estes, ao mesmo tempo em que devam ser RESPEITADOS na sua autonomia funcional, RESPEITEM a autonomia do Conselho Tutelar, e não queiram transformar os conselheiros em seus AUXILIARES. A LEI diz que ambos, no exercício de suas atribuições, ZELAM por direitos, mas NUNCA, sendo obrigados a auxiliar terceiros como serviçais, e SEMPRE, com a AUTONOMIA funcional de adotarem as providências PREVISTAS em lei para que direitos e deveres sejam cumpridos no REGIME DA CIDADANIA em que queremos viver.

Conselho Tutelar foi concebido e regulado no Estatuto Federal para CONTROLAR a burocracia, fazendo-a DAR PROTEÇÃO a quem necessita de PROTEÇÃO. Foi concebido para combater A REDE DE BUROCRACIA, fazendo os serviços públicos cumprir A REDE DE CIDADANIA em que todos possam viver sob o império da lei (império dos direitos e deveres constitucionais). Não pode o Ministério Público, querer transformar conselho tutelar em serviçal ou em parte da REDE DE BUROCRACIA.

Abraço amigo a todos

E.
Sugiro que os interessados leiam meu ESTAUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE COMENTADO, meu A CRIANÇA E AS REDES SOCIAIS, onde mostro a diferença entre a REDE DE BUROCRACIA e a indispensável REDE DE CIDADANIA, clicando aqui www.edsonseda.com.br

• Vanessa: NÃO SE ESQUEÇA de produzir o EFEITO MULTIPLICADOR para que todos nos conscientizemos sempre dos limites de nossas intervenções, inclusive, e principalmente, os limites da ação dos promotores de justiça, fiscais da lei, guardiões DA LEGALIDADE.

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