Infância Urgente

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Única entidade do DF que acolhe vítimas de violência doméstica perde a sede

Secretaria especial ligada à Presidência da República vai investigar repasse de verba que, em 2007, teria beneficiado o local

Renata Mariz

Mulheres ameaçadas de morte por maridos e companheiros e que moram no único abrigo(1) que o Distrito Federal tem para esse fim foram despejadas. O dono do imóvel localizado no Lago Sul, cujo endereço é mantido em sigilo por questões de segurança, brigava para tê-lo de volta em uma ação judicial antiga. Para piorar a situação, desde o início do ano, o Governo do Distrito Federal (GDF) não paga o aluguel da casa onde funcionava o abrigo. O local atende a uma média de 30 a 35 mulheres, mas já chegou a ter mais de 100 pessoas. Atualmente há 10 abrigados, entre mães e crianças. Eles têm até o final da semana para deixar a residência e ocupar o novo endereço, alugado emergencialmente pela Secretaria de Justiça do DF.

A casa, que funcionava no Lago Sul, foi requisitada pelo proprietário. Com isso, as mulheres assistidas pelo programa foram despejadas - (Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press - 20/5/09 )
A casa, que funcionava no Lago Sul, foi requisitada pelo proprietário. Com isso, as mulheres assistidas pelo programa foram despejadas
O despejo repercutiu no governo federal. A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), ligada à Presidência da República, decidiu investigar a aplicação de R$ 929 mil, repassados pela pasta ao GDF em 2007, para serviços que incluíam o reaparelhamento do abrigo no Lago Sul. “O convênio firmado previa a criação de dois centros de referência de atendimento à mulher e a revitalização do local de acolhimento. Então, esse problema se torna ainda mais grave, uma vez que o governo não cumpriu com sua contrapartida, que é cuidar da manutenção do abrigo, incluindo o aluguel. Também não temos informações sobre os dois centros. Se houve falhas na aplicação do dinheiro, pediremos o ressarcimento”, afirma Aparecida Gonçalves, secretária nacional de Enfrentamento da Violência contra a Mulher da SPM.

O secretário de Justiça do DF, Geraldo Martins, ressalta que o despejo não se deve à falta de quitação do aluguel, mas confirma a ausência dos pagamentos em 2010. “O que está na ação judicial é a vontade do proprietário de ter o imóvel novamente”, minimiza. Quanto ao dinheiro recebido da SPM, ele destaca que parte foi aplicada. Entretanto, não soube detalhar a execução desse orçamento. A reportagem aguardou, até o fechamento desta edição, a resposta da pasta sobre o gasto dos recursos, mas não houve retorno. Para Aparecida, o despejo é uma consequência da “histórica” falta de vontade política na área da mulher na capital federal. “O DF faz parte do grupo de cinco unidades da Federação que não assinaram o Pacto de Enfrentamento da Violência contra a Mulher, que prevê o fortalecimento dos serviços especializados. Por duas vezes o governo disse que assinaria, desde o lançamento do projeto, mas nunca o fez”, critica a secretária nacional da SPM.

“Tragédia anunciada”
Para Leila Rebouças, uma das coordenadoras do Fórum de Mulheres do DF, o despejo é uma espécie de tragédia anunciada. Ela conta que há um ano e meio sabe dos problemas envolvendo o aluguel do imóvel. Em 17 de março deste ano, a entidade protocolou um ofício relatando supostas irregularidades e as condições precárias do abrigo destinado a mulheres. “Embora tenhamos o carimbo de recebido no documento, nunca responderam ou nos procuraram”, conta Leila. De acordo com ela, o fechamento do local representa apenas um dos diversos problemas enfrentados pelas mulheres que tentam denunciar a violência doméstica no DF. “Na semana passada, uma mulher nos procurou porque não encontrou delegado na Delegacia da Mulher daqui. Ela foi aconselhada a procurar em sua cidade, no Entorno, onde também não havia. Essa pessoa pode ser morta a qualquer momento, e ninguém faz nada”, lamenta.

O endereço para onde serão levadas as mulheres ameaçadas de morte precisa ficar em sigilo. Mas a mudança, não agradou às próprias abrigadas, aos funcionários nem ao Ministério Público do DF, que solicitou a retirada das mulheres do novo local em no máximo 60 dias. Os principais problemas dizem respeito à segurança, já que o abrigo não é afastado do centro urbano como antigamente. “Não entendemos por que deixaram as coisas chegarem a esse ponto. Estamos todos aqui ansiosos e desanimados com tudo isso”, desabafa uma funcionária que pede anonimato. Aparecida, da SPM, classifica de “absurdo” o despejo. “Não é possível que tenhamos mulheres ameaçadas de morrer sendo despejadas de um serviço que é sigiloso e emergencial”, diz. Hoje, o governo se reunirá com representantes da sociedade civil no gabinete da deputada Erika Kokay (PT) para discutir a situação.

1 - Um refúgio
Há atualmente 70 abrigos no Brasil destinados a acolher mulheres que correm risco de ser assassinadas por maridos e companheiros. Com autorização judicial, que determina a medida protetiva, elas são encaminhadas a esses locais, onde podem permanecer com seus filhos por até 90 dias. O serviço é considerado uma das principais engrenagens da Lei Maria da Penha, que completou quatro anos no último dia 7. O número de abrigos, entretanto, está muito aquém da necessidade. A meta da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres é ter um serviço com essas características ou pelo menos de natureza mais emergencial, onde a vítima possa ser acolhida por até 48 horas, em 400 municípios.

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