- Como eram tratadas as crianças e adolescentes na época da Convenção?
- Quais foram os avanços na garantia dos direitos infanto-juvenis e como cada Estado se compromete com seus meninos e meninas?
Prestes a completar 20 anos, a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução n.º L. 44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 20 de setembro e 1990, ainda tenta garantir o que parece ser tão óbvio e está exposto em seu artigo 3º §2, “Os Estados Membros se comprometem a assegurar à criança a proteção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os direitos e deveres dos pais, dos tutores ou de outras pessoas legalmente responsáveis por ela e, para este propósito, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas apropriadas”. Em seus 54 artigos, garante ao público infanto-juvenil brasileiro o direito à proteção integral, isto é, a condição de sujeitos de direitos, podendo exercê-los para garantir a liberdade de expressão, de pensamento, de consciência, de religião e de associação.
A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança traz um conjunto de direitos fundamentais, econômicos, sociais e culturais sobre as crianças e adolescentes, além das disposições para que sejam aplicados. A Convenção foi ratificada por 192 países (apenas Estados Unidos e a Somália ainda não aderiram. Ver informação em http://www.unicef.pt/artigo.php?mid=18101111&m=2), que se comprometeram em dar prioridade à melhoria de qualidade de vida de crianças e adolescentes de forma integral.
Ângelo Motti, coordenador do Programa Escola de Conselhos, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), explica que a Convenção foi elaborada após um longo período de reuniões, audiências e pesquisas ocorridas durante dez anos, onde várias realidades foram observadas e debatidas para que todas as diversidades fossem contempladas.
Conforme Edson Sêda, Procurador Federal e Membro da Comissão Redatora do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nessa época as crianças eram “invisíveis”, ou seja, não tinham seus direitos humanos reconhecidos. “O contexto era o de um sistema estatal que induzia, estimulava, comandava a população para enxergar não crianças, seres auto-construtores de cidadania, mas sim, para lidar com ‘menores’, cuja característica fundamental era serem objetos dos adultos e das autoridades, sem condição social de nem serem percebidas em sua cidadania”.
Ângelo Motti acrescenta que “a cultura dominante era inspirada na Doutrina da Situação Irregular, que colocava crianças e adolescentes na condição de objetos das políticas públicas e das leis, vistos e percebidos como adultos em miniatura, seres incompletos e sem capacidades”.
Na avaliação de Edson Sêda, “o principal direito violado até então era o direito fundamental, do qual decorrem todos os outros”, em outras palavras, “o direito de ter direitos”. Na lista da falta de garantias, Sêda acrescenta ainda violação ao direito “à identidade pessoal, à intimidade, à liberdade de pensar, querer e agir, e o direito de não serem objetos de intervenção da burocracia estatal, de não serem tratadas arbitrariamente pelas autoridades”.
A Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, conforme explica Sêda, é um tratado internacional que foi necessário depois de 41 anos da Declaração dos Direitos Humanos de 1948. Esse Tratado foi necessário porque quando foi firmada a Declaração de 1948, os direitos humanos passaram a ser percebidos, concebidos e aplicados somente para os maiores de dezoito anos.
Onze anos depois, foi preciso firmar uma Declaração específica para a percepção dos direitos da criança, em 1959. “Nenhum país do mundo conseguiu, ainda assim, ter a criança visível em sua cidadania. Foram necessários mais 30 anos para, em 1989, firmarmos a Convenção, que não foi mais uma declaração de que havia direitos a respeitar, mas sim um Tratado Internacional para efetivar os direitos declarados em 1948 e em 1959. A partir daí, temos mecanismos jurídicos como instrumental para efetivarmos as crianças e os adolescentes como adultos do futuro, mas, fundamentalmente, como cidadãos do presente”, declara o procurador.
Segundo Ângelo Motti, após a Convenção, as políticas públicas tiveram que ser construídas sob uma nova ótica, ou seja, como direitos inerentes aos cidadãos, e não como uma concessão do Estado. Na avaliação do coordenador da Escola de Conselhos, os direitos relativos à vida, ao acesso à educação e aos serviços de saúde tiveram um avanço sensível após a Convenção sobre os Direitos da Criança, porém, a proteção especial não se efetivou na mesma proporção. “O direito à defesa precisa ser, de fato, implementado, pois a maior parte da população infanto-juvenil não tem tido acesso regular à justiça quando necessita que administrativamente (Conselho Tutelar) ou judicialmente (defensoria pública, promotoria pública e justiça) seus interesses sejam defendidos e prevalecidos perante as faltas cometidas pela família, sociedade ou poder público”.
Relatórios
Como signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, o Brasil comprometeu-se perante as Nações Unidas a cumprir cada uma de suas determinações e o artigo 44º, em seu § 1, determina que “Os Estados Membros se comprometem a apresentar ao Comitê, por intermédio do Secretário Geral das Nações Unidas, relatórios sobre as medidas que tenham adotado, com vistas a tornar efetivos os direitos reconhecidos na Convenção e sobre os progressos alcançados no desempenho desses direitos”. Através desses relatórios é possível identificar os avanços e desafios da implementação da normativa internacional.
O governo brasileiro deveria apresentar o primeiro relatório em 1992, seguido de outros dois em 1997 e em 2002, sempre acompanhados de relatórios elaborados pela sociedade civil. No entanto, o primeiro deles só foi organizado em 2002 e apresentado em novembro de 2003, com 11 anos de atraso. Naquele momento, o Brasil era o único dos 192 países que assinaram a Convenção que nunca havia enviado um relatório.
O Segundo relatório será apresentado à ONU no final deste ano e, ao contrário do anterior, deve incorporar a opinião de crianças e adolescentes como um relatório adicional. A presença do olhar das crianças é importante para se ter a noção de como elas se reconhecem no campo da defesa de seus direitos, uma vez que é uma visão bem diferente e é necessário que elas sejam ouvidas. Os relatórios sistemáticos servem para o monitoramento da implementação da normativa, o que representa uma forma de pressionar o governo brasileiro a garantir sua plena execução.
Fonte: ANDI
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