Infância Urgente

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Para a polícia paulista, execução sumária é regra

Assassinatos cometidos pela força de segurança de São Paulo são, freqüentemente, justificados como “resistência seguida de morte”
Assassinatos cometidos pela força de segurança de São Paulo são, freqüentemente, justificados como “resistência seguida de morte”

10/12/2008

Já passava das 22 horas do dia 15 de maio de 2006 quando Edson Rogério da Silva Santos foi abordado por policiais militares num posto de gasolina, bairro da Vila São Jorge, periferia de Santos (SP). O gari de 29 anos dirigia uma moto emprestada de um amigo, e pretendia abastecê-la antes de ir para casa.


Após responder aos policiais que já havia sido preso aos 18 anos, começou a ser espancado. “Tu é ladrão, já morreu”, disseram os homens. Mesmo machucado, Edson conseguiu subir na moto e ir embora, mas, logo depois, levou tiros no peito. Quando foi alvejado, ainda vestia capacete. Edson caiu morto na mesma rua que havia varrido horas antes. O relato da abordagem e espancamento foi feito pelo colega do jovem, que chegou ao local para ajudar com a moto.


A mãe do rapaz, Débora, soube da morte do filho por meio de um programa de rádio, às 8h30 da manhã seguinte. “Era uma notícia sobre uma matança na região. Quando ouvi, sabia que tinha sido a polícia”, afirma Débora. Um policial próximo à família havia dito à Débora que, naquela noite, seria imposto um toque de recolher, e que “não era para as pessoas de bem saírem na rua, porque a polícia ia botar para ferrar”, relembra a mãe.


Crimes de maio

O assassinato de Edson faz parte do episódio que ficou conhecido como “Crimes de Maio”, mortes decorrentes da contra-ofensiva da polícia de São Paulo aos ataques da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), em maio de 2006. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, o PCC foi responsável pela morte de 47 pessoas. No entanto, no período – 12 a 20 de maio –, 493 pessoas foram assassinadas por armas de fogo, segundo informações do Conselho Regional de Medicina (Cremesp).


“Queremos saber quem matou as outras 446 pessoas. É isso o que o Estado teria que nos responder”, aponta a historiadora Angela Mendes de Almeida, diretora do Observatório das Violências Policiais-SP, durante o segundo dia do Tribunal Popular, realizado entre os dias 4 e 6, em São Paulo.


Dois anos e sete meses após o assassinato de seu filho, Débora ainda não conseguiu fazer justiça pela morte de Edson. “As imagens que haviam na câmera do posto foram apagadas, as testemunhas sumiram. A luta é muito grande, a gente não encontra resposta em nenhum lugar”, lamenta. O processo de Edson foi arquivado.


Apesar das dificuldades, Débora não se intimida. Junto com um grupo de mães e familiares de vítimas de violência policial em São Paulo, ela luta para colocar os responsáveis no banco dos réus. Um dos momentos mais difíceis para a mãe é quando o neto, de seis anos, indaga: “Vó, por que a polícia matou meu pai? Ele era ladrão?”.


Execuções sumárias

O caso do filho de Débora foi um dos muitos apresentados no Tribunal Popular durante a sessão de instrução sobre o histórico de execuções sumárias praticadas pela polícia de São Paulo, ocasião em que os Crimes de Maio de 2006 foram destaque.


De acordo com Angela Mendes de Almeida, as violações de direitos humanos têm como vítimas preferenciais a juventude pobre, em sua maioria negra. As mortes acontecem tanto por policiais em serviço quanto fora de serviço (por grupos de extermínio). No primeiro caso, a justificativa para matar é a existência de um pretenso confronto, e a execução é classificada como “resistência seguida de morte”. Outro aspecto é que nenhuma investigação é feita, a não ser da vida pregressa da vítima, para, caso se encontre alguma passagem pela Febem ou sistema prisional, “a execução sumária dessa pessoa esteja justificada”.


Pena de morte

Nesses casos, a cena do crime também é desfeita, e os policiais rapidamente recolhem as cápsulas das armas. Há testemunhos que indicam situações em que as pessoas foram colocadas feridas no camburão, e lá foram mortas. “É como se no Brasil existisse pena de morte, que pode ser executada automaticamente”, critica a historiadora.


De acordo com ela, o caso de maio de 2006 é o mais emblemático para a história dos crimes da polícia paulista. “Foi um choque para São Paulo. Aquilo que se chama de crimes do PCC, na verdade, são os crimes da polícia”, critica. “Houve uma verdadeira histeria sensacionalista da imprensa, e as autoridades policiais diziam coisas como ‘vai morrer uma média de 10 a 15 bandidos por dia’, ‘vai ter troco’, ‘a caça continua’”, lamenta.


A pesquisadora lembra que, praticamente, nenhum processo judicial referente ao período foi concluído. “Um deles foi, com a absolvição do policial”. O que se observa é a ineficiência das autoridades com relação às apurações dos crimes e o esclarecimento dos assassinatos ocorridos. Além da não punição dos policiais, os parentes das vítimas foram “mal atendidos, mal informados, insultados, humilhados e ameaçados”, afirma Angela. Segundo ela, no entanto, as execuções sumárias não começaram nem pararam aí. “Elas matam uma média de 1,5 pessoa por dia”.


A historiadora aponta que existem três categorias de execuções feitas por agentes do Estado: as legalizadas, assumidas pela polícia como enfrentamento e legítima defesa; grupos de extermínio formados por policiais; e desaparecidos. “A democracia também tem seus desaparecidos”, ressalta. (TM)

Fonte: Brasil de Fato

Nenhum comentário: