Infância Urgente

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

JUDICIÁRIO E SOCIEDADE, S/D

A Lula o que é de Lula
Roberto Arriada Lorea *

Na República Islâmica do Irã a homossexualidade é punida com a pena de morte. Em 2005, uma fotografia mostrando a execução de dois garotos foi divulgada para o mundo através da internet. A imagem retrata dois meninos vistos de frente. Têm corpo franzino, vestem camisas de manga curta. Estão lado a lado, com os olhos vendados e cabeças voltadas para baixo, seus braços pendem para trás do corpo, escondendo suas mãos amarradas. Do alto pendem duas cordas que estão presas ao pescoço de cada um deles. Atrás, estão postados dois carrascos encapuzados, um deles segura firme o braço de um dos executados. São dois garotos condenados à morte pelo "crime" de incorrer em práticas homossexuais. A imagem é inesquecível pois impõe a reflexão de que aqueles dois garotos (pouco mais que duas crianças) que ali aparecem ainda vivos, em poucos instantes estarão mortos, sacrificados para satisfazer o fundamentalismo homofóbico implementado por um Estado confessional.

A comunidade internacional está mobilizada para estancar essa barbárie. Para tanto, nos próximos dias a França irá propor que a Organização das Nações Unidas (ONU) aprove uma Resolução no sentido de que os Estados adotem as medidas necessárias, em particular as legislativas ou administrativas, para assegurar que a orientação sexual ou identidade de gênero não possam ser, sob nenhuma circunstância, a base para sanções penais, especialmente execuções e prisões. A iniciativa conta com expressiva adesão de cinquenta países, incluindo todos os Estados que compõem a União Européia.

Contudo, supreendem-se as sociedades democráticas com a postura do Vaticano,cujo observador permanente na ONU, arcebispo Celestino Migliore, anunciou a decisão de se opor à Resolução proposta pela França. Segundo a imprensa, a posição da Santa-Sé está baseada no argumento de que a Resolução iria "acrescentar novas categorias àquelas protegidas da discriminação" e poderia levar à discriminação contra o casamento tradicional heterossexual (Reuters). O raciocínio apresentado pela Santa-Sé é definido em editorial do jornal italiano La Stampa como "grotesco". Ao não apoiar a Resolução, cujo objetivo primordial é salvar a vida de milhares de pessoas que vivem sob opressão fundamentalista, a Santa-Sé omite-se em atender ao chamado da comunidade internacional para enfrentar (à luz da razão) práticas penais violadoras de princípios básicos de Direitos Humanos - cujo nascedouro, recorde-se, remete a outra injustificável omissão da Igreja Católica.

Considerando-se a postura homofóbica do Vaticano, a qual não exclui sequer a criminalização da homossexualidade com a pena de morte, e sabendo-se que o prefeito da Congregação para a Educação Católica, Cardeal Zenon Grocholewski,afirma que a homossexualidade é "um desvio, uma irregularidade e uma ferida" (Reuters), torna-se relevante mencionar que o Governo Federal lançou em 2004 o Programa Brasil sem Homofobia, definido como "Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra LGBT e de Promoção da Cidadania Homossexual". São duas visões de mundo (e dois conteúdos pedagógicos) incompatíveis, cujo confronto impõe que a sociedade brasileira se questione sobre quais ensinamentos transmitir às futuras gerações: valores democráticos ou fundamentalismos homofóbicos.

O questionamento torna-se urgente, na medida em que o Presidente Lula (violando
o artigo 19, I, da Constituição) firmou uma aliança com a Santa-Sé,estabelecendo a obrigatoriedade (dita facultativa) do ensino católico na escola pública brasileira. O acordo Lula/Ratzinger não teve qualquer participação da sociedade e deverá ser submetido ao Congresso Nacional. O que precisa ser debatido pela sociedade brasileira, porque será definido pelos membros do Congresso Nacional, é se nossa escola pública deve formar cidadãos capazes de valorizar a dignidade da pessoa humana, independentemente da orientação sexual ou, como propõe o Presidente Lula, desejamos formar cidadãos que reverenciem o fundamentalismo homofóbico pregado pela Santa-Sé.

* Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Membro da Red Iberoamericana por las Libertades Laicas. Membro do
Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR).

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