Infância Urgente

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Hospital de referência para mulher atende mais crianças

Dos 1.907 casos atendidos no Pérola Byington, 1.427 eram de jovens e 480 de adultos

Referência no tratamento de mulheres vítimas de violência sexual, hospital em SP fez metade dos abortos legais registrados no país neste ano

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
TALITA BEDINELLI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Os 11 médicos, assistentes sociais e psicólogos estão reunidos com solenidade no quarto andar do hospital Pérola Byington (região central de São Paulo). Vão decidir se aprovam ou não o pedido de interrupção de gravidez, feito por uma jovem estuprada.
O médico Jefferson Drezett, 47, coordenador do Serviço de Atenção Integral à Mulher em Situação de Violência Sexual, solicita a uma ginecologista que relate o caso. Maria [o nome é fictício] foi atacada em um estacionamento. O agressor deixou seu sêmen e mais o vírus HPV, que causou o brotamento de verrugas dolorosas na região genital da jovem. A ultra-sonografia atribui ao feto idade gestacional de dez semanas. É compatível com a data em que a vítima alega ter sido violentada.
Uma psicóloga confirma o trauma sofrido. A assistente social relata a entrevista feita com Maria, 23, moça tímida, católica, moradora na periferia, que até hoje não juntou coragem para contar a ninguém -exceção feita ao serviço do Pérola Byington- o que lhe aconteceu naquele estacionamento.
Ela só chegou lá, hospital especializado em saúde da mulher, por causa das verrugas e de uma indisposição geral. Logo depois do estupro, foi para casa, tomou um banho. Não foi à polícia. No Pérola, acabou contando tudo. Ela não quer o filho. Tem medo de que se pareça -física ou moralmente- com o homem que a estuprou. Quer esquecer a violência.
Conferida a consistência da história contada pela jovem, lidos os relatórios, confrontados os exames médicos, os presentes decidem: interromperão aquela gestação (o Código Penal autoriza a intervenção em caso de estupro ou risco de morte para a gestante). Aproveitarão a anestesia para cauterizar as verrugas.
Drezett quer o máximo empenho da psicóloga para que a jovem siga em tratamento -ela tem de lidar com o trauma.
Há 15 anos, o serviço de violência do hospital Pérola Byington é uma ilha de excelência no acolhimento e tratamento de vítimas de violência sexual. Funciona 24 horas por dia, todos os dias do ano.
E não só para mulheres. Por falta de serviços semelhantes, dos 1.907 casos atendidos no Pérola de janeiro até outubro deste ano, 898 (47% do total) eram crianças até 11 anos, inclusive meninos. Adolescentes de 12 a 17 anos constituíram um total de 529 casos. Os 480 restantes foram de adultos.
A empregada doméstica Pilar [o nome é fictício], 27, entrou na sala da assistente social com a filha de um ano no colo.
A menina chora o tempo todo. Está nervosa, irritada. Mãe e filha foram enviadas ao Pérola por um conselheiro tutelar de Itapevi, município da Grande São Paulo. A região vaginal da garotinha está "em carne viva", diz a mãe.
O médico do posto de saúde de Itapevi "nem quis olhar", ela conta. "Mandou nós para a delegacia." O delegado chamou o conselheiro, que deu o dinheiro do trem e despachou a mãe para o Pérola, único hospital do tipo com uma unidade do Instituto Médico Legal focada em sexologia forense.
O resultado do IML demora 30 dias para sair. É no Pérola que a filha de Pilar recebe encaminhamentos: para uma creche (a babá da menina é suspeita de ser a agressora, segundo a polícia) e para um pediatra, para enfim ser tratada.
Segundo Drezett, 2008 deverá ser o ano recordista de atendimentos de crianças vítimas de violência sexual. "Não é que estejamos vivendo uma epidemia de pedofilia. É que o problema está sendo tratado de maneira mais aberta, há mais visibilidade", diz.
Ontem, a equipe provocou o abortamento na moça cujo caso foi contado no início deste texto. Foi o 57º deste ano (a metade de todos os abortos feitos legalmente no Brasil). No térreo, Jéssica [nome fictício], estuprada quando ia trabalhar, recebia um coquetel de drogas anti-HIV e contra doenças sexualmente transmissíveis, além da pílula do dia seguinte, para evitar que engravide.

Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1212200843.htm

Nenhum comentário: