Infância Urgente

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

País precisa transformar em realidade direitos que constam em leis, diz ONU

DEH OLIVEIRA
Folha Online

Signatário e um dos países que ajudaram a redigir os 30 pontos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que completa 60 anos nesta quarta-feira, o Brasil ainda não transformou em realidade vários princípios que constam no documento.

Segundo o diretor do Centro de Informações da ONU (Organização das Nações Unidas) para o Brasil, Giancarlo Summa, o Brasil assinou e ratificou praticamente todos os tratados de direitos humanos e possui uma constituição com leis avançadas. "Não só no caso do Brasil, mas como em todos os países, o desafio é transformar as leis em práticas concretas", afirma Summa.

De acordo com ele, o país tem mostrado avanços, principalmente ao não esconder os problemas, mas sim tentar combatê-los. Summa afirma que, no caso da prática da tortura, no entanto, há muito a fazer porque a utilização de métodos coercitivos continua sendo prática comum em prisões, delegacias e centros de detenções de crianças e adolescentes. "Houve pouquíssimas punições aos responsáveis por tortura", afirma.

O representante da ONU diz que, embora a democracia tenha se consolidado --passados mais de 20 anos após o Brasil ter saído de uma ditadura militar--, ainda falta ao país garantir a toda a população os direitos sociais e econômicos que constam em sua Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

País

Violência contra a mulher, contra crianças e a desigualdade no mercado de trabalho são algumas das violações apontadas por especialistas. Confira abaixo:

Direitos da mulher

A criação da Lei Maria da Penha --sancionada em 2006 e que estabelece mecanismos para coibir a violência doméstica-- é considerada por entidades ligadas aos direitos humanos como um grande instrumento para enfrentar o problema.

Sua eficácia, porém, ainda carece de melhor avaliação, na avaliação de Wânia Pasinato, pesquisadora do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP. "Avanços formais nós temos, mas transferir direitos reconhecidos na prática é que nós ainda não avançamos."

De acordo com a pesquisadora, no que se refere à violência contra a mulher, um dos obstáculos para se fazer um diagnóstico do problema é a falta de dados nacionais confiáveis sobre as ocorrências policiais, já que nem todas as regiões fazem a coleta com precisão.

Além disso, Wânia diz que as políticas direcionadas exclusivamente aos problemas dos direitos da mulher ainda são muito recentes, grande parte formuladas a partir de 2003, quando foi criada a Secretaria Especial de Políticas Para as Mulheres,.

Em relatório divulgado em maio, a Anistia Internacional aponta a lei Maria da Penha como avanço na luta contra a violência doméstica, mas alerta para dificuldades para sua efetiva implementação devido à falta de recursos e precariedade dos serviços de apoio.

O caso de uma adolescente de 15 anos forçada a dividir uma cela por um mês com diversos homens, em novembro de 2007, foi citado no documento como exemplo de violação aos direitos humanos no Brasil.

Suspeita de cometer um pequeno furto, a garota foi estuprada várias vezes no período em que ficou encarcerada. Quando a história veio à tona, ela e sua família ainda teriam sido ameaçados por policiais. Após a divulgação, surgiram vários outros casos de violações de direitos humanos das mulheres, de acordo com o relatório.

Mercado desigual

Na análise da socióloga Jacqueline Pitanguy, do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu igualdade no âmbito civil entre homens e mulheres, mas não resolveu todos os problemas.

No mercado de trabalho, segundo ela, a desigualdade ainda persiste. "A mulher ganha em média 64% do salário do homem, mesmo desempenhando um trabalho igual e tendo a mesma qualificação", diz.

Criança e adolescente

Atualmente, aproximadamente 15 crianças e adolescentes morrem assassinados por dia. A incidência de mortes os transforma em um dos grupos mais vulneráveis em um cenário de violência urbana.

Apesar da criação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que completou 18 anos neste ano, o Brasil registra um crescimento nos casos de crimes envolvendo menores de idade.

Segundo Helena Oliveira, gestora de Programas na área de Proteção do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), o que não faltam são políticas que visem assegurar os direitos básicos à população nessa faixa etária. "Fazer essa política pública funcionar é outra coisa. Os números de violência têm sido crescentes nos últimos 20 anos e vêm impactando a vida, e a vida precoce."

Para Helena, o país precisa rever o modelo de programas voltados a prevenir essa violência. "Quando se pensa em política para prevenir a violência, subliminarmente, a gente enxerga esse adolescente como autor, não como vítima", diz.

No Brasil, segundo dados oficiais, existem 80 mil crianças vivendo em abrigos e outras 16 mil cumprem medidas socioeducativas em centros de detenção.

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