Infância Urgente

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Entidades responsabilizam Estado brasileiro por política de extermínio

Jornal Brasil de Fato

Patrícia Benvenuti e
Tatiana Merlino
da Reportagem

Julgamento não-oficial organizado por mais de 70 entidades condena a sistemática violência estatal contra a população pobre e negra e a criminalização oficial dos movimentos sociais

Na Bahia, a juventude negra na mira
Para a polícia paulista, execução sumária é regra
“Homens de preto matando pretos ou quase pretos”
Organização popular também é punida

Condenação por unanimidade. Esse foi o resultado do Tribunal Popular – O Estado brasileiro no banco dos réus, realizado entre os dias 4 e 6 de dezembro na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista. A iniciativa, organizada por mais de 70 entidades, julgou o Estado pela sistemática violência contra a população mais pobre, especialmente negra, e pela repressão e criminalização dos movimentos sociais.


O Tribunal foi dividido em quatro sessões de instrução e uma sessão final – que apresentou o veredicto –, onde foram apresentados, com documentos e relatos de familiares e de amigos de vítimas, quatro casos considerados emblemáticos de violações de direitos humanos: operações militares no Complexo do Alemão no Rio de Janeiro, em 2007; sistema carcerário e execuções de jovens negros na Bahia; execuções na periferia de São Paulo, em maio de 2006; e a criminalização dos movimentos sindicais, de luta pela terra, pelos direitos indígenas e quilombolas no Rio Grande do Sul.


Jurados

O Tribunal teve entre seus jurados a presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-RJ, Cecília Coimbra; o militante do movimento indígena e membro do Centro de Étnico Conhecimento Sócio-Ambiental Cauieré, José Guajajara; o diretor do Fórum Permanente de Ex-Presos e Perseguidos Políticos de São Paulo, Ivan Seixas; o jornalista e escritor José Arbex Jr.; o deputado estadual do Psol-RJ, Marcelo Freixo; o músico e compositor Marcelo Yuka; a psicanalista e escritora Maria Rita Kehl; o professor de Filosofia da USP Paulo Arantes; o músico e sobrevivente da Chacina da Candelária, Wagner Santos; o militante da Pastoral Operária e do Movimento de Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, Waldemar Rossi; e a presidente da Associação de Parentes e Amigos de Presos da Bahia (Asfap-BA), Adriana Fernandes, além da presença do observador internacional Kawame Kalimara, integrante do Movimento Malcon X Grass Roots Movement, dos Estados Unidos.


Ação e omissão

O presidente da Associação Brasileira da Reforma Agrária (Abra), PlinioArruda Sampaio, que atuou como acusador na sessão final de julgamento, pediu pena máxima ao Estado, por entender que existe o "dolo", a intenção de cometer um crime. "O dolo é por ação e omissão do Estado, do que ele poderia fazer", avalia.


Segundo Sampaio, o Tribunal discutiu um crime que não está previsto no Código Penal, mas que é executado pelo Estado brasileiro por meio de seus poderes. "O crime chama-se criminalização da pobreza, são lados e opções que impõem restrições, carências, sofrimentos, injúrias ao pobre pelo fato de ser pobre", explica, alertando para os diferenciais atuais dessa criminalização. "A novidade é a exacerbação, o crescimento dessa criminalização há duas ou três décadas, desde que o capitalismo se fortaleceu e os capitais ficaram mais concentrados", disse.


Sampaio atribuiu crimes aos três poderes: “Terrorismo psicológico, invasão de domicílio, agressão física e agressão moral, tortura, execução sumária, tratamento desumano de presos e de menores, insuficiência do gasto social nas periferias pobres da cidades”, disse.


Direitos aos pobres

Em relação ao legislativo, afirmou que ele “também é réu hoje aqui, porque, passados 20 anos, ainda não regulamentou os dispositivos da Constituição, que reconhecem uma série de direitos aos trabalhadores e às pessoas mais pobres. E sobretudo, não fiscaliza o executivo. Tinha obrigação de fazer CPI para apurar todas essas irregularidades”.


Outro acusado que o presidente da Abra considerou “terrível”, pois atua com sutileza, “é um réu que não fala, que atua por baixo: chama-se poder judiciário. Porque o juiz não fiscaliza as cadeias, não vai às penitenciárias nas horas em que pode pegar uma irregularidade”.


Sampaio não exime os policiais de suas atitudes e ações individuais, mas considera que o Estado é o maior responsável pela violência, em razão da má formação que dá a seus agentes. "Esse Estado não remunera, não forma, não dá a ele os meios técnicos de descobrir o crime. Então o meio mais fácil que ele acha, é pôr no pau-de-arara e fazer o cidadão confessar".


Não ao medo

Kenarik Boujikian, juíza de direito em São Paulo, presidiu a sessão final de julgamento do Tribunal Popular, ao lado de Hamilton Borges, membro da Associação de Parentes e Amigos de Presos da Bahia (ASFAP/BA) e coordenador da campanha Reaja ou será Mort@; e Valdênia Paulino, coordenadora do Centro de Direitos Humanos de Sapopemba (SP).


Kenarik também destacou a responsabilidade do Judiciário, ao lembrar da fala do delegado de Polícia do Rio de Janeiro Orlando Zaccone: “A polícia mata, mas quem enterra é o Judiciário”, em referência à importância do papel do juiz, o único que pode encerrar um inquérito. E, ao ler trechos da música “Miedo” (Medo, em português), do compositor Lenine, disse: “Saímos daqui comprometidos a não ter esse sentimento diante do Estado”.

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