Infância Urgente

segunda-feira, 15 de março de 2010

Mamãe, quero ser famosa

No quintal de casa, Natália se lambuza com terra, cata minhocas e faz experiências típicas das crianças de seis anos. Pelo menos duas vezes ao dia, se agarra na mamadeira com leite de soja, uma de suas paixões.

Mas, quando lembra que gosta mesmo é de desfilar, a menina de longos cabelos dourados incorpora uma modelo. Caminha pela passarela com passos firmes, faz pose para os fotógrafos e demonstra disciplina de gente grande, incrementada, principalmente, com a faixa de Mini Miss Universo que conquistou duas vezes. Tanto empenho já a fez, inclusive, utilizar uma prótese dentária para disfarçar a queda dos dentes de leite.

– O espaço entre os dentes estava lhe incomodando para falar e, além disso, algumas fotos não ficavam bem – justifica a mãe da menina, a empresária Daniela do Amaral Stangherlin.

Desejar uma vida de estrela, com fama e reconhecimento, é um sonho que vem crescendo entre crianças, adolescentes e pais. De acordo com uma pesquisa publicada no livro O que Está Acontecendo com Nossas Garotas?, de Maggie Hamilton, 45% das meninas entrevistadas afirmaram que gostariam de ser famosas. Outro estudo, feito em oito países, pelo pesquisador Martin Lindstrom, confirmou que o número de adolescentes que desejava fama superou 50% dos entrevistados.

Com o impacto dos reality shows e do marketing infantil, o número de pequenos desejando fama só aumenta. Além disso, eles também querem ser ricos – 80% das meninas de 11 a 12 anos declararam que queriam ter uma fortuna.

– Os pais têm papel fundamental na construção desses desejos. Claro que muitos pequenos já são talentosos. Mas, mesmo assim, é preciso cautela. Cabe à família proteger os filhos da alta competitividade e do deslumbramento excessivo com a fama, evitando que eles pulem etapas de crescimento – explica a psicóloga clínica de crianças e adolescentes Margaret Soares de Carvalho.

Para a mãe da pequena Miss, a experiência precoce ajudou no desenvolvimento da filha. A carreira que começou com o incentivo de Daniela trouxe, segundo ela, disciplina para Natália, além da noção sobre o valor do dinheiro e sobre o quanto se pode gastar em compras.

–Falamos sobre a realidade. Tentamos mostrar que o mundo não é feito apenas de coisas boas. Por isso, ela destina parte dos ganhos para uma instituição de crianças com câncer – conta a mãe.

O contato com o real é fundamental para quem busca uma carreira de sucesso precocemente. Desde cedo, os pais devem entender que os filhos precisam brincar e estudar, e que ser um profissional tão cedo, na maioria das vezes, pode trazer consequências.

– A criança não tem aparato psíquico, não tem maturidade para o trabalho. É preciso brincar para, mais tarde, se sentir satisfeito com o trabalho – alerta a psicóloga Cristina Dariano Kern.

Para Natália, a diversão, por um bom tempo, continuará sendo o quintal de casa.


Brincadeira acima de tudo

::: A criança precisa, principalmente, ter tempo para estudar e brincar. Mas se ela demonstrar interesse por alguma atividade profissional (balê, teatro, atuação em comerciais, etc), os pais deverão respeitar essa vontade e esse talento.

::: O trabalho precoce, escolhido pela própria criança, trará benefícios para o desenvolvimento dela, além de disciplina, socialização, pontualidade e capacidade de superar limites, de aprender com os erros e de controlar despesas.

::: Antes de insistir em tornar a criança famosa, os pais devem avaliar se o filho tem prazer com a atividade envolvida, se chora durante a atividade e se deixa de conviver com outras crianças devido à profissão.

Fontes: psicólogas clínica Cristina Dariano Kern e Margaret Soares de Carvalho

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