Infância Urgente

sexta-feira, 26 de março de 2010

Opinião: Separação de criança e mãe só deve ocorrer em último caso

Especialista comenta fato que aconteceu em Jundiaí, na semana passada.
Situação 'pode deixar marcas de difícil dissolução', avalia.

Houve muito avanço nos cuidados dos menores com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Instituído em julho de 1990, sua existência prevê que eles sejam protegidos de qualquer mal e que tenham garantidos seus direitos como cidadãos.


Apesar do ECA, ainda temos que evoluir no tratamento às nossas crianças, inclusive na aplicação desse estatuto. Muitos já devem ter visto algumas pedindo esmolas nas ruas e mães que não podem trabalhar por não terem uma creche para deixar seus filhos. Há aquelas que trabalham para ter o mínimo que comer, usam drogas ou se prostituem.


Penso que cuidar dos pequenos seja um dever de todos, algo que, de certo modo, é previsto no ECA. Por exemplo, o artigo 56 diz que os dirigentes de escolas de nível fundamental devem comunicar o Conselho Tutelar se observarem maus tratos em seus alunos. Isso é muito importante, pois a criança não tem voz, tendo que emprestá-la de outros para serem ouvidas.


Foi o que aconteceu na semana passada em uma cidade do interior paulista. Uma pessoa, muito conscienciosa, vendo uma mulher jovem com sua filha de um ano e dois meses na rua, considerou que ela estava pedindo esmolas usando a pequena para tal fim. Com o intuito de proteger a menor, denunciou a mulher, no caso a mãe da criança, às autoridades competentes. Apesar de muito observadora, essa pessoa não notou que se tratava de uma representante da comunidade cigana, cuja cultura é peculiar.

Numa demonstração de “profissionalismo” e “sensibilidade”, os representantes do poder público levaram mãe e criança à delegacia, quando então arrancaram a menor de seus braços. Ambas gritavam desesperadas, cena que provavelmente muitos viram. A criança foi encaminhada a um abrigo onde continuava chorando. Após três dias e muita polêmica, a família foi reunida novamente e voltou para sua cidade em Minas Gerais.



Marcas
Esse episódio foi lamentável. Apenas como último recurso, diante de um fato extremamente grave e que coloca em sério risco um menor, deve haver a separação mãe/criança, que no caso era um bebê. Ainda mais de maneira brutal como ocorreu. Fato que pode deixar marcas de difícil dissolução: o que uma criança mais teme é perder a figura materna (que não é necessariamente a biológica), o que para ela seria o mesmo que perder seu mundo, ficando sem seus referenciais.


Ora, não é justo uma criança ser usada para pedir esmolas. Parece que não era esse o caso: a mãe cigana lia a sorte das pessoas na rua. Rapidamente ela foi julgada e sentenciada, numa situação em que o preconceito imperou. Mesmo que estivesse esmolando, fazia-se necessário que o poder público agisse de maneira a ajudar aquela pessoa, mantendo unida a família. É nobre poupar uma criança de uma situação assim. Mas não tem nada de nobre em privá-la da mãe.


Agindo desta maneira, a lei e seus representantes apenas estariam punindo as coisas tortas do mundo, sem o propósito de consertá-las. Tirar um bebê de sua família por não ter condições de criá-lo e colocá-lo numa instituição é algo bastante delicado. A situação de internação costuma trazer consequências para uma criança, principalmente em seu começo de vida, interferindo em seu desenvolvimento cognitivo, social e emocional.


A lei e o poder público devem servir para ajudar as pessoas em suas condutas. Para isso, sua ação deve ser cuidadosa e não feita de qualquer jeito. É fundamental que aqueles que estão nessa posição sejam muito bem preparados, conscientes de seu trabalho nos seus vários aspectos e isentos de preconceito.


Felicidades a essa família.



(Ana Cássia Maturano é psicóloga e psicopedagoga)

Fonte: G1

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