Infância Urgente

domingo, 7 de março de 2010

1,2 mil jovens e crianças vítimas de abuso sexual

Apesar das denúncias de casos de pedofilia terem crescido assustadoramente em todo o País, as instituições educacionais públicas ou privadas poderiam ajudar a detectar o problema mas, na maioria das vezes, não estão preparadas para observar a mudança de comportamento de uma criança que sofre com abuso sexual, seja na família ou em outro ambiente. Para reverter esse quadro de omissão, o Observatório da Criança e Adolescente (OCA), entidade criada por pesquisadores da Universidade Federal do Pará, vem monitorando os números de abusos sexuais contra a infância a partir dos dados do programa Pró-Paz Integrado e elaborou uma cartilha, que será distribuída nas escolas públicas e privadas, a fim de orientar professores, diretores e todo o corpo educacional, inclusive os próprios estudantes, a mudar de postura, passando a observar a mudança de comportamento de alunos - e a partir dessa medida, ajudar no processo de denúncia contra abusadores. A pretensão do OCA é lançar a cartilha, elaborada em formato de folder, até o final deste mês. “A nossa intenção é que a escola seja transformada em espaço de proteção das crianças e adolescentes. As pessoas precisam perceber que há amparo legal”, afirma o professor da UFPA, Alberto Damasceno, que junto com a professora Émina Santos coordenam o OCA. O trabalho é realizado em parceria com o Pró-Paz, Unicef, CNBB, programa EducAmazônia, União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Seduc e Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEEDH).

Os mesmos dados estatísticos analisados pelos pesquisadores já foram apresentados pela CPI da Pedofilia da Assembleia Legislativa, apontando que mais de 1,2 mil crianças e adolescentes sofreram abuso sexual no Pará, somente em 2009, e referem-se aos casos denunciados em 48 municípios. Eles mostram que 90% dos casos de violência sexual contra crianças são praticados no ambiente familiar.

Os dados levantados pela OCA também apontam os municípios onde foram realizados os maiores números de denúncias (ver info ao lado). A cartilha traz informações sobre como ajudar uma criança abusada e como detectar os sinais dos abusos. Também dá orientação para que os educadores fiquem alertas ao problema e ainda aponta alguns trechos do Estatuto da Criança e do Adolescente, que descreve os deveres das instituições em proteger a infância.

ESCOLAS ATENTAS

Os coordenadores do OCA explicam que as crianças passam muito tempo na escola e têm frequência permanente. Por isso, a instituição de educação deve também ser um instrumento de percepção dos casos, de denúncia e no geral de proteção. “O único remédio é a denúncia. Nós acreditamos que os casos não aumentaram, o que aumentou foram as denúncias. E nesse aspecto a CPI teve um papel fundamental porque divulgou o problema”, explica Damasceno.

O caso da denúncia de pedofilia contra um corregedor da Guarda Municipal de Belém (ver matéria ao lado) pode servir como parâmetro para o trabalho de educação preventiva que os pesquisadores vão desenvolver nas escolas. Foi a diretora da escola de uma das vítimas que percebeu a situação de mudança de seu comportamento e denunciou o caso à família e ao conselho tutelar.

Além da preparação da comunidade escolar para combater a pedofilia, os pesquisadores defendem que é fundamental aumentar a rede de assistência social na capital e no interior do Estado, bem como a capacitação do sistema de segurança. “Ainda prevalece a ideia dentro da polícia de que a garota é vítima de sua própria sedução”, afirma Émina Santos.

Dentro da melhoria da estrutura pública, os professores defendem a implantação de um maior número de Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) para atender as situações de vulnerabilidade social e melhor aparelhamento dos conselhos tutelares pelas gestões municipais. “Nem a capital tem número suficiente de CRAs para as necessidades da população”, alerta Alberto Damasceno. Ele critica: o poder público, em todas as esferas, continua ausente, condição que justifica que municípios pequenos como Santa Bárbara, Marituba, Benevides e outros apontados pela estatísticas, apresentem o maior número de casos de abuso sexual contra crianças.

ABUSOS

SINTOMAS ALERTAM

- Ansiedade;

- Tristeza e baixa autoestima;

- Comportamento sexual explícito;

- Distúrbios no sono e alimentação;

- Dificuldade de aprendizado;

- Agressividade;

- Não confiança em adultos;

- Ideias ou tentativas de suicídios;

- Doenças sexualmente transmissíveis;

- Hiperatividade;

- Fugas de casa;

- Medo;

- Depressão;

- Rebeldia.

>> Corregedor da Guarda Municipal de Belém é acusado em dois processos

Mais uma autoridade do Pará é acusada de violência sexual contra crianças. O corregedor da Guarda Municipal de Belém, Claudionor de Azevedo Uchoa, que exerce a função de investigar os desvios dos membros da GBel, foi denunciado por atentado violento ao pudor no final de 2009 contra uma garota de 12 anos. No início deste mês, a Justiça recebeu nova denúncia, desta vez por estupro contra adolescente. Os dois processos correm em segredo de Justiça por se tratar de crimes contra a infância, mas o delegado João Salvino já requereu a prisão preventiva do corregedor da GBel. Caberá à juíza da Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes de Belém, Maria das Graças Alfaia, decidir se mantém a liberdade do réu ou se determina a sua detenção. O advogado do acusado, Antônio Freitas Leite, afirma que seu cliente nega as duas denúncias e assegura que se for decretada a preventiva, Uchoa vai se apresentar à polícia por conta própria.

O primeiro caso envolve abuso sexual em família. Uchoa é tio da vítima, segundo denúncia, o assédio teria acontecido dentro da casa de parentes, durante finais de semana. Por mais de uma vez, o acusado teria cometido atos libidinosos com a vítima, que após um período de retração, relatou os abusos para a direção do colégio em que estuda. A diretora da escola comunicou os fatos aos pais da menina, que levaram a denúncia à Delegacia de Atendimento à Criança e Adolescente (Data), onde começou o inquérito policial.

Segundo informações apuradas, o assédio do tio contra a sobrinha teria começado em novembro de 2008. A denúncia diz que nesse período a menina teria aguentado a situação calada, mas quando já não suportava mais os abusos, ela procurou a diretora de sua escola em novembro do ano passado.

Apesar de se tratar de uma autoridade municipal, o caso não chegou a ser investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI da Pedofilia), instaurada na Assembleia Legislativa do Estado, que apurou diversos casos de abuso sexual contra crianças no Pará e divulgou relatório na semana passada. Segundo a assessora jurídica da CPI, Vera Tavares, a comissão encerrou o recebimento das denúncias em novembro de 2009, a fim de contabilizar as estatísticas dos números de casos recebidos em todo o Estado.

Frente às ações criminais que responde seu corregedor, o comando da GBel instaurou desde o dia 9 deste mês um processo administrativo para apurar as denúncias contra o meso. A comandante da Guarda, inspetora Helen Margareth, informou que a instituição não recebeu nenhuma denúncia oficialmente nem da Polícia Civil, nem do MP ou da Justiça. Ela afirma que o órgão recebeu e-mails enviados por supostos parentes de uma das vítimas, mas que as mensagens não eram bem explicadas. No entanto, garante a inspetora, o comando decidiu instaurar o procedimento interno, que tem que ser concluído em um prazo de 30 dias, com o objetivo de apurar as denúncias.

PRÊMIO

Desde o início de fevereiro Claudionor de Azevedo Uchoa esteve afastado da função, segundo informações da inspetora, gozando de licença prêmio. Helen Margareth assegura que Uchoa se reapresentou à corporação dia 4 de março e que seu afastamento programado não teve ligação com os supostos crimes de violência sexual contra as crianças.

Após o retorno à GBel, Uchoa será convocado pelo comando para prestar esclarecimentos. “Vamos apurar a verdade dos fatos e isso não impede o andamento do processo judicial”, afirma a comandante. Ela ressalta que não se pode ter conclusões prévias sobre processos administrativos, mas se ficar comprovada a culpa do corregedor, a verdade vai prevalecer e ele poderá ser exonerado do cargo.

A comandante também garantiu que, ao se reapresentar à corporação, Claudionor Uchoa de Azevedo é mantido longe da corregedoria, uma forma de preservar o inquérito de sua suposta influência. Mas, também adianta que será disponibilizada ao acusado a possibilidade de defesa, como determina a legislação.

O advogado do acusado afirma que como se trata de processo em fase inicial, ainda não se debruçou sobre os argumentos de defesa que vai apresentar ao processo. Mas, alega que Uchoa acusa a família da primeira suposta vítima de influenciar a segunda garota a denunciá-lo. “Ele afirma que é vítima de perseguição orientada pela família do primeiro caso”, enfatiza Antônio Freitas Leite. Ele também conta que a mãe da primeira suposta vítima chegou a ameaçar arruinar a vida financeira de Uchoa.

HISTÓRICO

A primeira denúncia de abuso sexual contra Claudionor Uchoa ocorreu em novembro de 2009, feita pelos familiares da vítima. O crime foi investigado pelo delegado João Salvino Neto, que indiciou Uchoa e enviou o inquérito para o Ministério Público com pedido de prisão preventiva do acusado. O processo corre sob o número 2009.2.062573-6, na Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes de Belém. A juíza Maria das Graças Alfaia confirmou que vai decidir sobre a prisão nesta semana, assim que receber o parecer do MP.

Mas, o depoimento de Claudionor Uchoa está marcado apenas para o dia 23 de agosto. Antes, a magistrada deverá ouvir os depoimentos dos familiares, da vítima e de outras testemunhas de defesa e de acusação. Por último será inquirido o réu. A previsão é que o processo seja concluído ainda este ano.

A segunda acusação contra o corregedor da GBel está em fase inicial, sob o número 2010.2.006688-8. Assim que a polícia encerrar a investigação, também será remetida para a Vara de Crimes contra a Criança e Adolescente para começar a etapa de instrução processual com os depoimentos dos envolvidos e das testemunhas do caso.

Diário do Pará

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