João Ibaixe Jr - 05/03/2010
Neste ano, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) completa vinte anos de vigência. Qual a produtividade de seu papel no combate à criminalidade praticada por crianças e adolescentes? Dados de diversas entidades demonstram que as estatísticas da chamada criminalidade infanto-juvenil só traduzem resultados negativos. E um dos principais fatores é que o ECA trabalha com um modelo punitivo muito mais rigoroso que o próprio Código Penal.
Com efeito, há dois anos atrás, aproveitando a passagem de 18 anos de existência do ECA, a Câmara dos Deputados, por iniciativa da Comissão Especial de Atendimento Socioeducativo, realizou audiência pública com o fim de debater mudanças e alternativas para a questão da criminalidade infanto-juvenil.
A conclusão dos participantes do debate foi de que a Justiça brasileira é mais rigorosa na punição de menores (adolescentes, mais especificamente) do que de adultos. Nestes anos subsequentes, nada foi feito para modificar tal situação.
Dados divulgados à época, que podem ser pesquisados no site da Câmara, demonstraram que em termos proporcionais a população carcerária juvenil é muito superior à adulta, quando se confrontam os índices de crimes praticados no país. Além disto, em face da natureza dos delitos, enquanto para a criminalidade adulta há a possibilidade de graduação da pena, para os menores isto não ocorre, o que faz com que crimes de ofensividade diversa sejam punidos da mesma maneira.
Assim, em termos práticos, o Estatuto da Criança e do Adolescente acaba por ser muito mais violento do que a Lei Penal. Isto porque o Código Criminal orienta o juiz no momento da aplicação da pena, quando de sua fixação, para que ele analise a culpabilidade, a conduta, os antecedentes e outros fatores, inclusive de política criminal, para atender às finalidades complexas da reprovação e prevenção penal. Ainda oferece ao juiz a possibilidade de aplicação de um sistema progressivo de regimes, no qual o condenado deve iniciar a partir do mais grave caminhando para o menos. Tudo isto visando a recondução (obviamente num modelo ideal) do condenado à sociedade.
Já o ECA prevê uma série de “medidas socioeducativas”, porém a mais aplicada é a de internação, cujo conceito legal é exatamente de se constituir como “medida privativa de liberdade”, ou seja, prisão. O prazo máximo de três anos (que é a tese dos que defendem a redução da maioridade penal, por ser considerado muito curto) é, na maior parte dos casos cumprido integralmente, em que pese a exigência do exame semestral de avaliação para fundamentar sua continuidade.
Não há um sistema analógico de progressão, embora sejam previstas a semiliberdade e a liberdade assistida. E para ser aplicada a internação, mesmo sendo primário o adolescente, basta que o crime seja cometido mediante violência ou grave ameaça (para esclarecer o leitor, o critério aqui é formal, no sentido de caracterizar o crime em tese e não considerando todas as circunstãncias do caso). Não há qualquer base de apreciação relativa à culpabilidade ou ao que se pode chamar de elemento subjetivo da conduta, apesar de algumas menções esparsas sobre circunstâncias e gravidade da infração.
Para um combate efetivo à criminalidade, ao contrário do que muitos pensam, não há que se reduzir a idade penal ou simplesmente se mudar a lei. Falta a aplicação de uma teoria penal eficiente que, de modo complexo, levando em conta ciências auxiliares, possa embasar a produção de uma legislação competente, além de outro modelo hermenêutico que possibilite aos juízes a aplicação menos formalista e positivista da norma, ao permitir que o real seja lido em sua integralidade.
Não se está tentando aqui estabelecer uma agenda de aplicação de supostos “direitos humanos” defendida por alguns grupos que gostam de aproveitar ocasiões de mídia. Trata-se de combater um problema cada vez mais grave que é a criminalidade infanto-juvenil e que não só a Justiça como o ECA não têm ambos nenhuma orientação mais concreta a respeito, salvo a utilização de eufemismos para reduzir o impacto doloroso de nossa injusta realidade.
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