As entidades abaixo assinadas vêm manifestar aos(as) senhores(as)senadores(as) sua preocupação com a precariedade dos argumentos que têm sido apresentados como justificativas para a redução da idade penal, tanto na opinião pública, mídia, quanto no Congresso Nacional.
Formulamos, então, alguns pontos de problematização desta proposta (PEC Nº 20
de 1999), com base no marco legal brasileiro e internacional, bem como em recentes
indicadores, a fim de melhor subsidiar a posição dos parlamentares a respeito do
tema.
Cabe lembrar que a recente aprovação do PL 1627/2007 na Câmara dos Deputados,
instituindo o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE, já
é indicativo do fortalecimento de uma tendência parlamentar de construir e investir
em alternativas, que têm demonstrado serem mais efetivas do que a redução da maioridade penal, como atesta a queda das taxas de internação e de reiteração do ato infracional em unidades da federação que vêm implementando os novos parâmetros. Por
isto, demandamos aos(as) senhores(as) senadores(as) o pleno conhecimento deste
projeto de lei, que deve chegar ao Senado para a devida análise, além da cuidadosa
apreciação dos argumentos abaixo relacionados.
MOTIVOS PARA DIZER NÃO À REDUÇÃO DA IDADE PENAL
1. O ECA QUANDO ADEQUADAMENTE APLICADO APRESENTA BONS RESULTADOS
Diversos exemplos de aplicação bem sucedida do Estatuto da Criança e do Adolescente
reforçam que a busca por soluções para a criminalidade envolvendo adolescentes passa
pela implementação das medidas socioeducativas já previstas na legislação.
Com destaque às medidas socioeducativas em meio aberto que responsabilizam o
adolescente pela prática do ato infracional,permitindo a freqüência à escola, o convívio familiar e comunitário. As medidas privativas de liberdade devem ser reservadas aos casosde reconhecida necessidade em razão dos inegáveis prejuízos que a
institucionalização produz no desenvolvimento de qualquer pessoa,ainda mais de uma pessoa em condição peculiar de formação, como o adolescente.
2. SÃO AS POLITICAS SOCIAIS QUE POSSUEM REAL POTENCIAL PARA DIMINUIR O ENVOLVIMENTO DOS ADOLESCENTES COM A VIOLÊNCIA
É de conhecimento geral que as causas da violência, como as desigualdades sociais, o racismo, a concentração de renda e a insuficiência das políticas públicas não se resolvem com a adoção de leis penais mais severas e sim exigem medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo perverso. Tais medidas, de
natureza social, como a educação, têm demonstrado sua potencialidade para
diminuir a vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.
3. É INCOMPATÍVEL COM A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL
A Doutrina da Proteção Integral é o que caracteriza o tratamento jurídico dispensado pelo Direito Brasileiro a crianças e adolescentes, cujos fundamentos encontram-se no próprio texto constitucional, em documentos e em tratados internacionais e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Tal doutrina exige que os direitos humanos
de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada, mediante a operacionalização de políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa. A definição do adolescente como a pessoa entre 12 a
18 anos incompletos implica a incidência de um sistema de justiça especializado
para responder a infrações penais quando o autor trata-se de um adolescente. A imposição das medidas socioeducativas e não das penas criminais relaciona-se justamente com a finalidade pedagógica que o sistema deve alcançar, e decorre do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento na qual se encontra o adolescente.
4. É INCONCILIÁVEL COM O SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO - SINASE
O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, formulado a partir das diretrizes constitucionais, das regras do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e das recomendações constantes da normativa internacional, corresponde a um conjunto de
princípios administrativos, políticos e pedagógicos que orientam o funcionamento
dos programas de execução de medidas socioeducativas, sejam elas em meio aberto
ou fechado. Suas disposições reconhecem o caráter sancionatório das medidas
socioeducativas sem perder de vista suas finalidades de reinserção social e educação.
Nesta perspectiva, o SINASE adota dimensões pedagógicas e políticas que são inconciliáveis com a execução de qualquer tipo de medida em estabelecimentos destinados a adultos, tal qual sugerem algumas propostas de alteração da Constituição.
5. É INCONSTITUCIONAL
É manifesta e indiscutível a inconstitucionalidade de qualquer proposta que modifique o sistema constitucional que reconhece prioridade e proteção especial a
crianças e adolescentes. No caso específico da menoridade penal, os intentos em
modificar o sistema admitindo-se que maiores de 16 anos recebam as mesmas penas que se aplicam aos adultos, perverte a racionalidade e a principiologia consititucional, uma vez que retira o tratamento constitucional especial conferido a todos os adolescentes. Desde 1988, há uma evidente constitucionalização do Direito da Criança e do Adolescente, a partir da introdução de regras e princípios de defesa e garantia desta população no texto constitucional. Assim, qualquer alteração no desenho constitucional proposto para o tratamento jurídico destinado a menores de
18 anos autores de infração penal implica flagrante violação à própria Constituição
Democrática.
6. É VIOLAÇÃO DE CLÁUSULA PÉTREA DA CONSTITUIÇÃO
A possibilidade de responder pela prática de infrações penais com base em
legislação especial, diferenciada da que se aplica aos adultos, maiores de dezoito
anos, ou seja, o Código penal, é direito individual, subjetivo de todo adolescente
a quem se atribua a autoria de ato infracional. E, portanto, matéria que não
poderá ser abolida como se pretende nas propostas de emenda à constituição.
Não é necessário que o direito e garantia individual esteja expressamente descrito
no artigo 5° da Constituição para impedir a deliberação da proposta. Para a
vedação de qualquer mudança sobre cláusulas pétreas basta sua presença no
texto constitucional como um direito ou garantia referente à vida, à liberdade, à
igualdade e até mesmo à propriedade, e que no caput do citado artigo 5° estão
reforçados por uma cláusula de inviolabilidade. Além disso, a referência,
no artigo 34, VII, alínea “b”, aos direitos da pessoa humana como princípio
sensível auxilia a firmar ainda mais essa linha de raciocínio.
As propostas de redução da idade penal se constituem como violação de cláusula
pétrea constitucional, tendo em vista que a Constituição assegura dentre as
cláusulas pétreas, os direitos e garantias individuais, conforme o artigo 60,
parágrafo 4°, inciso IV.
Em síntese: É direito da pessoa humana abaixo dos dezoito anos de idade, ser julgada, processada e responsabilizada com base em uma legislação especial, diferenciada dos adultos. Em decorrência de sua natureza, a matéria encontra-se ao
abrigo das cláusulas pétreas.
7. AFRONTA COMPROMISSOS INTERNACIONAIS ASSUMIDOS PELO BRASIL
Não se pode esquecer os parâmetros internacionais que por força do artigo 5°, parágrafo 2° da Constituição, também têm peso de norma constitucional. Os direitos enunciados em tratados e documentos internacionais de proteção aos direitos
humanos de crianças e adolescentes somam-se aos direitos nacionais, reforçando a
imperatividade jurídica dos comandos constitucionais já mencionados e que se
referem à adoção de legislação e jurisdição especializada para os casos que envolvem
pessoas, abaixo dos dezoito anos, autoras de infrações penais.
8. ESTÁ NA CONTRA MÃO DO QUE SE DISCUTE NA COMUNIDADE INTERNACIONAL
Como se observa da análise comparada de distintas legislações no mundo, a
predominância é a fixação da menoridade penal abaixo dos 18 anos e a fixação de uma
idade inicial para a responsabilidade juvenil. Não só os tratados internacionais, mas
recentes documentos apontam que esta idade deva estar entre 13 e 14 anos de idade.
Enquanto a comunidade internacional discute a ampliação da idade para inicio da
responsabilidade de menores de dezoito anos,o Brasil anacronicamente ainda se detém em discutir a redução da maioridade penal – tema já superado do ponto de vista dogmático e de política criminal internacional.
9. TRATAR ADOLESCENTES COMO ADULTOS SOMENTE AGRAVA A VIOLÊNCIA
Conforme publicado em 2007 no Jornal New York Times, a experiência de aplicação das
penas previstas para adultos para adolescentes nos Estados Unidos foi mal sucedida, resultando em agravamento da violência. Foi demonstrado que os adolescentes que cumpriram penas em penitenciárias, voltaram a delinqüir e de forma ainda mais violenta, inclusive se comparados com aqueles que foram submetidos à Justiça Especial da Infância e Juventude.
10. A PRÁTICA DE CRIMES HEDIONDOS POR ADOLESCENTES NÃO JUSTIFICA A ALTERAÇÃO DA LEI
As propostas de redução da idade penal se sustentam na exceção, pois como constatado em diferentes e periódicos levantamentos realizados pela Subsecretaria de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (SPDCA) estima-se que o percentual de adolescentes autores de crimes de homicídios não exceda 18% da população de adolescentes internados no país. Tomando os dados mais recentes de 2008, temos 16.868
adolescentes internados no Brasil, ou seja, homicidas não passam de 3.100
casos no país todo.
Mais reduzido, portanto, seria o grupo destinatário das propostas que visam aplicar penas de adultos para adolescentes acima dos 16 anos autores de crimes hediondos. A exceção como se sabe não pode pautar a definição da política criminal e a adoção de leis que são universais e valem para todos.
11. A FIXAÇÃO DA MAIORIDADE PENAL É CRITÉRIO DE POLÍTICA CRIMINAL
Fala-se em opção de política criminal ou critérios de política criminal para definir a escolha que o legislador brasileiro adotou para responsabilização de pessoas na faixa etária de 12 a 18 anos.
Isto porque não se trata de uma definição calcada em critérios científicos ou
metafísicos, mas simplesmente em critérios de ordem política. Tal reconhecimento está expresso na redação da Exposição de Motivos do Código Penal na Reforma de 1984: “Manteve o Projeto a inimputabilidade penal ao menor de 18 anos. Trata-se de opção
apoiada em critérios de política criminal”.
Brasília, 16 de junho de 2009
Assinam esta carta as seguintes entidades:
CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente;
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância;
INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos;
ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância;
Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente;
CONJUVE – Conselho Nacional de Juventude;
FNDCA- Fórum Nacional de Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente.
Entidades Filiadas ao Fórum Nacional DCA:
ABEC – Marista - Associação Brasileira de Educação e
Cultura;
ABMP – Associação Brasileira de Magistrados e
Promotores em Defesa da Criança e do Adolescente;
ACM – Associação Cristã de Moços;
Aldeias Infantis – SOS;
AMENCAR – Associação de Apoio a Criança e ao
Adolescente;
ANCED – Associação Nacional dos Centros de Defesa
da Criança e do Adolescente;
Cáritas Brasileira;
CECRIA - Centro de Referência, Estudos e Ações
Sobre Crianças e Adolescentes;
CECUP – Centro de Educação e Cultura Popular;
CCLF – Centro de Cultura Luiz Freire;
CIEE Nacional – Centro de Integração Empresa –
Escola;
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social;
CFP – Conselho Federal de Psicologia;
CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação;
Comunidade Baha’i;
CONTRATUH - Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade;
CISBRASIL - Conferência das Inspetorias Salesianas
de Dom Bosco do Brasil;
Congresso Nacional Afro Brasileiro;
CRIA – Centro de Referência Integral de
Adolescentes;
Criança Segura;
CUT – Central Única dos Trabalhadores;
Espaço Compartilharte;
Federação Nacional das APAE’s;
FENATIBREF – Federação Nacional dos Empregados
em Instituições Beneficentes, Religiosas
Filantrópicas;
Fundação ABRINQ pelos Direitos da Criança;
Fundação Fé e Alegria do Brasil;
Fundação L’Hermitage;
Fundo Cristão para Crianças;
Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos
Bento Rubião;
Hospital Pequeno Príncipe;
IBISS – Instituto Brasileiro de Inovações Sociais;
IBISS – CO – Instituto Brasileiro de Inovação Pró-
Sociedade Saudável Centro-Oeste;
Kindernothilfe – KNH Brasil;
MNDH – Movimento Nacional de Direitos
Humanos;
MNMMR - Movimento Nacional de Meninos e
Meninas de Rua;
MOC – Movimento de Organização
Comunitária;
NTC – PUC - Núcleo de Trabalhos
Comunitários da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo;
Nova Pesquisa e Assessoria em Educação;
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil;
Organização de Direitos Humanos Projeto
Legal;
Pastoral da Criança;
Pastoral do Menor da CNBB;
PLAN Internacional – Brasil;
Projeto de Meninos e Meninas de Rua de
São Bernardo do Campo (SP);
SBP – Sociedade Brasileira de Pediatria;
Sociedade Literária e Caritativa Santo
Agostinho;
UBEE – Marista;
UCE – Marista;
UNBEC – Marista;
USBEE – Marista;
UGT – União Geral dos Trabalhadores;
Visão Mundial.
FÓRUNS ESTADUAIS DCAs:
Fórum Estadual DCA ACRE;
Fórum Estadual DCA ALAGOAS;
Fórum Estadual DCA AMAZONAS;
Fórum Estadual DCA AMAPÁ;
Fórum Estadual DCA BAHIA;
Fórum Estadual DCA CEARÁ;
Fórum Estadual DCA DISTRITO FEDERAL;
Fórum Estadual ESPÍRITO SANTO;
Fórum Estadual DCA GOIÁS;
Fórum Estadual DCA MARANHÃO;
Fórum Estadual DCA MINAS GERAIS;
Fórum Estadual DCA MATO GROSSO DO
SUL;
Fórum Estadual DCA MATO GROSSO;
Fórum Estadual DCA PARÁ;
Fórum Estadual DCA PARAÍBA;
Fórum Estadual DCA PERNAMBUCO;
Fórum Estadual DCA PAIUÍ;
Fórum Estadual DCA PARANÁ;
Fórum Estadual DCA RIO DE JANEIRO;
Fórum Estadual DCA RIO GRANDE DO
NORTE;
Fórum Estadual DCA RIO GRANDE DO SUL;
Fórum Estadual DCA RONDÔNIA;
Fórum Estadual DCA RORAIMA;
Fórum Estadual DCA SANTA CATARINA;
Fórum Estadual DCA SERGIPE;
Fórum Estadual DCA SÃO PAULO;
Fórum Estadual DCA TOCANTINS.
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