Leonardo Werneck
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Um seminário na tarde de hoje vai marcar o lançamento da Campanha Nacional Criança Não é de Rua, em Brasília. O Distrito Federal é a 24ª unidade da Federação a receber um evento do gênero, que busca trazer o tema de volta para agenda política nacional. O seminário busca ainda integrar os governos com a sociedade civil organizada para o desenvolvimento de políticas públicas que erradiquem um problema que atinge boa parte das grandes e médias cidades do País.
A ação vai contar com a presença de representantes de entidades não governamentais (ONGs), Conselhos Tutelares, Ministério Público, Juizado da Infância e Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda. O evento também vai marcar o lançamento do livro Censo da exclusão ou falta de inclusão nos censos? – A (in)visibilidade de meninos e meninas em situação de moradia nas ruas nas capitais brasileiras, da socióloga Juliana Oliveira.
O trabalho busca dar contornos a um problema sem números. O governo brasileiro nunca fez uma pesquisa ou levantamento sobre quantas crianças e adolescentes moram ou trabalham nas ruas das cidades brasileiras. A base das pesquisas dos órgãos governamentais são os domicílios, e por isso moradores de rua de todas as idades ficam de fora das estatísticas oficiais, explica o coordenador nacional da ONG cearense Criança Não É de Rua, Adriano Ribeiro.
Políticas especiais
"A ONU estima que sejam 5 milhões e a União Européia acredita que o número gire em torno de 7 milhões", diz ele. Mas a ONG acredita que o número seja muito menor, cerca de 30 mil crianças. Adriano explica que o número conta apenas aqueles que realmente moram nas ruas e não os que trabalham nelas durante o dia, mas voltam para suas casas à noite. "São casos muito diferentes, que necessitam de cuidados e políticas diferenciadas", explica o coordenador.
Adriano acrescenta que existe uma certa ignorância sobre o assunto e que colocar os dois grupos como apenas um é parte dessa visão equivocada. Segundo ele, também é necessário unificar a visão dos diversos governos estaduais e municipais sobre quem são exatamente essas crianças e quais metodologias devem ser usadas para mapeá-las.
"É sabido empiricamente pelas ONGs que a maioria deles são adolescentes do sexo masculino, e que saem de casa por problemas familiares", destaca.
Cola e Crack
O DF não é diferente do resto do País. Aqui também é difícil conversar com crianças de rua, que costumam ter vários nomes e fugir do contato com representantes governamentais. Drogas como o crack e a cola fazem parte do cotidiano dessas crianças, que muitas vezes foram violentadas psicologicamente, fisicamente e até sexualmente em seus lares.
Segundo Vitor Alencar, da coordenação do Fórum de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do DF (DCA/DF), a evasão escolar também é um fator importante na aproximação das crianças com as ruas. "Seja por terem deixado a escola ou por não terem o que fazer no turno oposto ao dos estudos, eles se acostumam a viver na rua, sem muitas regras", explica Vitor.
Crítica a políticas públicas
A entidade Criança Não É de Rua surgiu em Fortaleza em 1986 e desde então vem desenvolvendo ações para dar um "projeto de vida" a menores de idade da cidade e de Recife, a capital pernambucana. Em 2005, eles resolveram criar a campanha nacional que visa em um primeiro momento chamar a atenção para o assunto e ampliar a discussão que hoje acontece apenas no âmbito local. Nesse âmbito, a unificação de pesquisas e políticas é vista como essencial.
Segundo o coordenador da ONG, Adriano Ribeiro, o Governo Federal já se posicionou sobre a questão do trabalho infantil, que tem números oficiais e diretrizes nacionais para seu combate, mas nada foi feito nos últimos anos a respeito das crianças de rua. "Temos números confiáveis sobre gado e até cachorros vira-latas, mas não sobre as crianças e adolescentes que moram nas ruas", reclama ele.
Por isso, Adriano diz que o próximo passo será o desenvolvimento em parceria com o poder público de diretrizes e políticas públicas para tratar do problema. "Ano que vem vamos realizar um seminário nacional", anuncia ele. Mas antes disso, ainda devem ser realizados seminários locais nos estados de Minas Gerais, Bahia e São Paulo.
Busca de Soluções
Nesses seminários a ONG também busca mostrar a importância de trabalhar diretamente com as crianças, sempre procurando reintegrá-las a uma ambiente familiar, ainda que não necessariamente à casa da qual possam ter fugido. "É muito importante dar assistência social às famílias, ainda que se trate de família em um sentido mais amplo", explica o coordenador. Ele ressalta que recolher crianças a um abrigo do governo deve ser a última opção e, mesmo assim, temporária.
Segundo Vitor Alencar, da coordenação do Fórum DCA/DF, de nada adianta tirá-los da rua e mantê-los em abrigos até completarem 18 anos, quando voltam para as ruas. Por isso, ele lembra também da importância dessas crianças e adolescentes ingressarem na escola ou participar de cursos profissionalizantes, para terem uma opção no futuro.
"O governo do DF tem tido uma abordagem equivocada em relação ao problema, com o foco apenas em retirá-los de pontos turísticos e desestimular a esmola", diz Vitor. Segundo ele, essa é uma visão policialesca e até mesmo higienista, que não tem resolvido o problema. Essa abordagem dita higienista está presente em vários estados e municípios brasileiros, segundo a ONG Criança Não É de Rua.
Já o desestímulo à esmola é mais bem-visto pela sociedade, que concorda que a doação à organizações que trabalham com essas crianças é mais proveitosa do que os centavos
dados aos moradores de rua. Tanto a ONG cearense quanto o Fórum do DF ressaltam que campanhas do tipo não são suficientes, além de terem eficácia duvidosa. Para eles, o investimento maior deve ser feito na melhoria dos abrigos, escolas e creches, na formação de assistentes sociais e educadores de rua, além do esforço para recriar os laços familiares dessas crianças.
SAIBA +
Estudos mostram que muitas vezes a rua deixa de ser uma ameaça e passa a ser uma oportunidade para essas crianças. Mas são vínculos perigosos com o mundo sem afeto ou apoio, onde muitas vezes o caminho é o vício e a violência
Mas esse é um fenômeno solucionável. Basta que a sociedade não aceite essa realidade como algo natural, e se mobilize, lute pelo bem desses meninos e meninas que não têm onde morar
Para evitar que a situação se agrave, seminários como este servem para discutir com autoridades alternativas de vida para a criança de rua. A começar pela inclusão de programas que visem a educação, o lazer e a cultura
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