Infância Urgente

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Crianças de Marajó se prostituem por hot dog (são exploradas sexualmente)

Cidades da ilha no Pará convivem com a prostituição de meninas; após denúncia, fiscalização aumentou, mas não resolveu problema

Jovens com menos de 18 anos percorrem ruas e festas e se vendem por dinheiro suficiente para uma cerveja ou para se divertir à noite

Crianças de Ilha de Marajó, no Pará, durante operação da polícia para retirar das ruas os menores de idade em situação de risco

JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DA AGÊNCIA FOLHA, NA ILHA DE MARAJÓ

No grupo há mais de dez meninas. Elas andam sozinhas, depois da meia-noite, pelas ruas vazias de Breves, a maior cidade da ilha de Marajó, um arquipélago de 104 mil km2 no norte do Pará.
Elas gritam e dão pulinhos, animadas pela festa logo ao lado, próxima à zona portuária, num galpão com mais de sete metros de pé-direito, todo feito de madeira -como boa parte das construções na cidade.
Não parecem ter mais do que 15 anos. Mas, como é comum em Breves, vestem roupas de adultas: shorts que não chegam à metade das coxas, blusas minúsculas. Na festa, diz uma placa, menores não entram, mas ninguém pede seus RGs.
Dentro, na semiescuridão, elas se mesclam às centenas de pessoas, a maioria delas mais velhas, atingidas pela potência de uma caixa de som do tamanho de uma parede, que toca os hits recentes do "melody", uma variação do tecnobrega, música que mistura batidas eletrônicas com ritmos caribenhos.
O repórter está próximo de duas meninas do grupo. Afirmam ter 17 anos e pedem uma cerveja. Pouco depois, sem constrangimento aparente, dizem de maneira seca que, se ele pagar a bebida, poderá escolher uma para sair dali.
A prostituição de adolescentes e crianças na Ilha de Marajó foi formalmente denunciada ao governo federal em abril de 2006 pelo bispo local (leia abaixo), mas a fiscalização, que aumentou, não brecou uma situação já enraizada.
A reportagem passou cinco dias na região e viu que crianças e adolescentes se prostituem por dinheiro suficiente para se divertir à noite ou consumir artigos como roupas, celulares ou um simples hot dog.
Em cidades com alguns dos piores IDHs (Índices de Desenvolvimento Humano) do país, o dinheiro parece corromper mesmo quem, à primeira vista, não tem nada a ver com o negócio do sexo.
Dependendo do valor, um taxista pode se tornar agenciador de adolescentes, e um vigilante de rua pode tentar arranjar um local para o encontro ocorrer.
Não há exatamente prostíbulos em Breves ou em Portel, outra cidade visitada pela Folha. As meninas são "arranjadas" por terceiros ou estão pelas ruas, por vezes abordando o "cliente" em potencial, sempre como se pedissem dinheiro.
Logo após a festa, quando voltava para o hotel, em cujas portas há o aviso de que é proibido entrar com menores, o repórter encontrou Maria (nome fictício) sentada numa calçada.
Pelo rosto, ninguém diria que ela tinha os 17 anos que afirmou ter, e sim que mal havia completado 14. Imediatamente, pediu R$ 10. Com a recusa, pediu R$ 2. Para quê? "Queria ir até ali comprar um cachorro-quente." Em troca, afirmou, aceitava fazer um programa.
A Prefeitura de Breves disse que mantém programas para tirar as adolescentes das ruas.
Longe dos centros urbanos, nas imensas zonas rurais das cidades da Ilha de Marajó, dominadas pelos rios que cruzam o arquipélago, é possível ver as meninas ribeirinhas se aproximando de balsas com passageiros, remando em "casquinhos" -canoas pequenas e frágeis.
Levam açaí para vender, mas podem fazer sexo em troca, por exemplo, do óleo diesel usado para os geradores de energia das casas, como disseram moradores e barqueiros.
Já em Portel, elas se reuniam numa rua apelidada de "xirizal", referência a "xiri", nome pejorativo, no Pará, do órgão sexual feminino.
Na semana retrasada, o local estava vazio. É que foi lá que uma reportagem de um programa de TV flagrou uma mãe que supostamente aceitou vender sua filha de 15 anos por R$ 500.
O assunto corria por bares, táxis e repartições públicas. Para a maioria da população, que nada tem a ver com exploração sexual, a cidade foi injustamente tachada de primitiva. "Isso aqui é exceção", disse o prefeito Pedro Barbosa (PMDB).
O que conselhos tutelares, policiais e prefeituras tentam entender é como minorar um problema que, segundo eles próprios, tem raízes culturais.
"A avó fez isso, a mãe fez isso", disse o delegado Adalberto Cardoso, de Portel. Para a conselheira tutelar da cidade, Catherine Sousa, esse elemento se manifesta na banalidade com que as pessoas tratam o problema. "É um tabu, todo mundo sabe, mas ninguém age."
Outra questão é a localização remota. De Belém até Portel, pode-se gastar até 25 horas de barco, como ocorreu aos policiais civis que foram até lá promover uma operação intitulada Cadê seu Filho?, para retirar crianças de situações de risco.
Nas comunidades ainda mais afastadas o maior problema não é a prostituição, mas o abuso sexual de crianças, na maior parte das vezes por um familiar. Em Portel, um terço dos 18 presos está lá por esse crime.

Fonte:FSP

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