Um grupo de 17 famílias do município de Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, denuncia as ações realizadas pelo Conselho Tutelar Municipal (CT), entre os anos de 2004 e 2007. De acordo com os depoimentos realizados na 152ª Subsecção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Itaquaquecetuba os filhos dessas famílias foram tomados de modo arbitrário e a abordagem feita pelos conselheiros tutelares na época era agressiva e vexatória, em cumplicidade com a promotora da Vara da Infância e da Juventude do município, Simone de Divitiis Perez.
A partir dessas denúncias, os ex-conselheiros tutelares Emanuel Ingrao e Alice da Conceição Crescêncio, que fazem parte do grupo de cinco conselheiros que assumiu a gestão do CT em julho de 2007 e ouviu denúncias feitas pelas famílias (ler mais na edição 328), entrou com reclamação disciplinar contra a promotora Simone na Corregedoria-Geral do Ministério Público (CGMP), na Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ) e no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
O processo foi arquivado na CGMP e no CNMP. A reportagem entrevistou oito das 17 famílias e perguntou se elas haviam recebido a visita de promotores do Ministério Público, mas todas negaram.
Arquivamento
A análise do promotor André Vinícius de Almeida, auxiliar da Corregedoria Nacional do CNMP arquivou o processo de reclamação disciplinar formulado contra a promotora da Vara da Infância e Juventude de Itaquaquecetuba, Simone de Divitiis Perez, por considerar ausência de falta funcional reclamada, apesar do documento admitir falhas na postura da promotora.
De acordo com o promotor, foi realizado um amplo procedimento de apuração a partir do material de investigação realizado pela CGMP e da CGJ. A análise do material encaminhado teria sido dispendiosa, tendo o processo quase 3 mil páginas.
Para Vagner da Costa, presidente da OAB, o parecer não condiz com os fatos. “Eu não sei quais as provas que chegaram nas mãos desse CNMP para ele ter arquivado esse processo. Talvez tenham chegado provas maquiadas. Acho que eles deviam apurar”, alerta. “Pergunta para essas famílias se algum promotor as chamou para serem ouvidas, se elas foram chamadas a depor em alguma das Corregedorias [da Justiça ou do Ministério Público]”, indaga Costa.
Questionado sobre a possibilidade do CNMP ou do Ministério Público local haver procurado as famílias, Almeida disse à reportagem que as famílias não foram procuradas pelo CNMP, mas não se recordava se o Ministério Público regional o fizera.
Segundo ele, uma das razões das famílias não terem sido procuradas, seria o fato do processo ter sido encaminhado ao CNMP pelos ex-conselheiros Alice Crescêncio e Emanuel Ingrao, e não pelas famílias. Por isso, para a consulta das famílias teria de ser aberta uma diligência que requisitasse isso. “A única forma que nós teríamos de fazer essa diligência seria no caso de discordar da atuação local e instaurar uma sindicância. Nesse caso não houve instauração de sindicância”, explica.
“Como a Corrgedoria local [do MP] atuou de forma satisfatória junto à Corregedoria de Justiça, a gente entendeu que não seria necessário essa diligência que seria por meio de uma sindicância”, justificou. Para ele, as providências tomadas localmente foram satisfatórias e esclareceram à sociedade.
Corporativismo
“Está cheirando espírito de corpo. Eu não quero generalizar todos os membros do Ministério Público. Nós temos pessoas dentro do Ministério Público pessoas que são muito competentes, muito honestas e que não se prestam a fazer essas coisas. E tem pessoas que acham que o Ministério Público é um 'superpoder', que as pessoas são intocáveis, que ninguém mexe com elas”, avalia Costa.
Para a advogada Cineide Pereira Marques, que à época ouviu a maior parte das famílias que fizeram denúncias na sede da OAB, o parecer do CNMP está equivocado e também chama atenção para o fato do CNMP não ter ouvido as famílias. Para ela, os casos têm de ser apurados até o final e declara que cabe ao juiz da Vara da Infância decidir o que ocorre. “Nosso papel nós fizemos, que foi apurar e denunciar. Agora se isso vai sobrar para alguém, só a justiça pode dizer”, ressalta.
Porém, Cineide alerta para o papel que a mídia exerce no sentido de “abafar” denúncias que envolvam membros do Ministério Público, “há uma espécie de corporativismo justamente para que isso [as denúncias] não caiam na mídia para não envolver o Ministério Público”.
“A Globo, por exemplo, não divulga nada que envolva promotor de justiça”, denuncia Costa. Os familiares e os ex-conselheiros Adão, Ingrao e Alice contaram à reportagem que em janeiro e fevereiro de 2008, uma equipe de jornalismo da filial da rede Globo no Alto Tietê foi até Itaquaquecetuba, filmou depoimentos das famílias e dos ex-conselheiros, alegando que seria transmitido em programa de grande audiência, o que não ocorreu.
Discordância
O deputado estadual José Cândido (PT-SP), membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) discorda da posição do CNMP. De acordo com Cândido, que tem acompanhado o processo desde o início, as famílias foram sim lesadas pela postura do conselho tutelar (gestão 2004-2007), com cumplicidade da promotora Simone.
“Não concordo nem com o parecer que acusa os ex-conselheiros [Ingrao, Alice, Adão, Claáudi Paixão e Silas de Oliveira] de cometerem retaliação, nem com a defesa de que as famílias não tinham condições de criar seus filhos”, diz.
O deputado explica que a função do tutelar não é retirar as crianças das famílias, mas ajudar para que elas permaneçam com seus pais, oferecendo apoio e auxílio a essas famílias para que elas corrijam possíveis problemas, o que não teria ocorrido entre 2004 a 2007.
O deputado, membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), explicou à redação que algumas famílias já foram chamadas pelo Condepe para conversarem. De acordo com ele, tentou-se averiguar e buscar respostas para os casos, mas a burocracia tem tornado lento o processo. “Ainda mais com o arquivamento por parte do Ministério Público. Como o Ministério Público arquiva um processo desses sem averiguar com profundidade?”, lamenta. Para ele, ao que parece, há uma espécie de protecionismo do Ministério Público e isso deve ser investigado. “É isso que nós queremos saber”, afirma.
No último 28 de maio, o deputado encaminhou uma carta ao ministro da Justiça Tarso Genro, solicitando audiência pública para apresentar-lhe as informações sobre o caso.
Tramitando
O processo ainda tramita na Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ), onde aguarda parecer.
Após o arquivamento no Corregedoria-Geral do Ministério Público e no CNMP, o grupo de cinco ex-conselheiros, que tem dado apoio às famílias, entrou em contato com o Ministério Público Democrático (MPD), cujo objetivo central é ampliar o acesso da população à Justiça, constituído por membros do Ministério Público de todo o Brasil.
Roberto Livianu, presidente do MPD, disse à reportagem que entrou em contato com a CGJ e está acompanhando o processo naquela instância. “Eu prometi que iria verificar e fiz contato com a Corregedoria-Geral da Justiça para saber o que resultou desse exame da CGJ”, declara.
Quanto ao parecer emitido pelo CNMP, Livianu não emitiu nenhuma avaliação apenas reiterou os fatos. “Eles [o grupo de Ingrao e Alice] vieram me trazer esta preocupação deles, eu me dispus a colaborar, no sentido de verificar o que está se passando [na CGJ]. Em relação ao CNMP houve uma representação, em face da conduta da promotora, foi examinado e arquivado, tanto na Corregedoria-Geral do Ministério Público como no CNMP”, declara.
Quarenta e oito?
O parecer emitido em janeiro deste ano pelo CNMP avaliou os 48 processos de adoção realizados no município de Itaquaquecetuba, entre os anos de 1998 e 2007. Entre esses processos estão o caso das 17 famílias que levantaram denúncias na OAB e outros cinco processos de adoção realizados entre os anos de 1998 e 2004.
Ingrao questiona o fato de haver sido analisados os 48 processos. Ingrao explica que, entre os anos de 1998 e 2004, ele, Alice e Adão Pereira Barbosa trabalharam no CT. Durante esse período houve apenas cinco adoções. “Só houve cinco casos em que tivemos de tirar as crianças das famílias e só fizermos isso porque não tinha outro jeito”, conta Ingrao.
Salienta porém que, quando retornaram em julho de 2007, o grupo se assustou com o número de pessoas que havia tido seus filhos tomados. “Durante os quatro meses que ficamos no Conselho Tutelar [de julho a novembro de 2007] levantamos 42 casos de famílias que reclamavam seus filhos. Um absurdo”, indigna-se.
Segundo Ingrao e Adão, conseguiram manter contato apenas com as 17 famílias, as outras acabaram não retornando e, como foram cassados pela promotora Simone, não puderam dar prosseguimento à averiguação. Essas 17, porém, foram acompanhadas e visitadas pelo grupo que verificou as denúncias.
“Era óbvio que havia alguma coisa errada na postura do Conselho Tutelar e da promotora”, diz. De acordo com Ingrao, quando em 14 de setembro de 2007 foi entregar uma carta à promotora Simone, protocolado no Fórum da Comarca de Itaquaquecetuba, ela disse para não se envolverem, pois ela estava resolvendo. Na carta constava um relato das denúncias de irregularidades e, quando insistiu com a promotora ela levantou o tom de voz. “Ela bateu as mãos na mesa e disse para não nos envolvermos”, conta.
Fonte: Brasil de Fato
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