Infância Urgente

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Agressores, famílias e vítimas precisam ser acompanhados

O Ceará pode se tornar um dos primeiros estados do País a contar com tratamento para agressor sexual

Romper o ciclo da violência que envolve os crimes de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes. Esta é a argumentação da deputada Lívia Arruda (PMDB-CE), presidente da Comissão de Infância e Adolescência da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, ao defender o projeto de indicação Nº 185/08, que institui o programa de acompanhamento e tratamento psicossocial para o agressor sexual.

“O agressor sexual normalmente apresenta distúrbios psicossociais”, destaca, justificando que o tratamento tem a finalidade de evitar a reincidência. “Queremos com isso romper o ciclo da impunidade”. Para que se torne realidade, é preciso que haja punição e acompanhamento, tanto da vítima, quanto do agressor sexual. A parlamentar esclarece que não se trata de projeto de lei, no entanto, a proposta pode colocar o Ceará entre um dos estados pioneiros no País a se preocupar com o problema.

O tema é considerado polêmico e a proposta, ousada, uma vez que constitui novidade essa abordagem ao agressor sexual. Lívia Arruda chama a atenção para outro aspecto: a escuta da vítima, principalmente, as crianças, para que seja menos traumático a situação vivida. A sala de escuta sem dano está sendo desenvolvida por profissionais do Rio Grande do Sul.

“Achamos importante tratar as famílias e as vítimas além de oferecer um acompanhamento psicossocial aos agressores sexuais”, justifica Lívia Arruda, acreditando na sensibilidade das autoridades para a aprovação dos documentos. O projeto visando à criação do centro de tratamento ao agressor sexual tem como base a experiência desenvolvida na cidade satélite de Taguatinga, em Brasília, na área de violência, com base na Lei Maria da Penha.

Além deste projeto, a deputada criou mais dois. São eles: o projetos de indicação que dispõem sobre a implantação de delegacias de combate à exploração de crianças e adolescentes nos municípios com mais de 60 mil habitantes e centros de atendimento especializado à criança e ao adolescente vítimas de abuso e exploração sexual em todos os municípios com mais de 60 mil habitantes. Os projetos foram aprovados por unanimidade, revela. “Estamos aguardando resposta efetiva”, torce a deputada.

A proposta do centro de tratamento ao agressor sexual é fruto de discussão com as pessoas que trabalham nas instituições e autoridades que lidam com o fenômeno. “É até contra a natureza humana pensar que é normal”, observa Lívia Arruda se referindo ao crime de abuso sexual contra crianças e adolescentes.

Mesmo considerando “muito bom” o trabalho desenvolvido pela rede de combate à violência sexual contra crianças e adolescentes no Estado, falta um banco de dados com informações precisas, o que possibilitaria uma ação mais efetiva. Apenas 19% dos conselhos tutelares contam com sistema de informatização, revela Lívia Arruda, reivindicando o reaparelhamento da Dececa de Fortaleza, a criação de mais outra unidade e nos municípios desprovidos deste equipamento.

Escuta

O novo olhar voltado ao fenômeno do abuso sexual contra crianças e adolescentes inclui também a escuta à vítima. O principal cuidado é não revitimizar a criança e reduzir ao mínimo possível a repetição do fato. A escuta deve ser criteriosa, explica a promotora de justiça, Edna Lopes Costa da Matta, da 12ªVara Criminal: “A abordagem é diferenciada, mas o sofrimento é inerente, já que é preciso ouvir para punir”.

Germana Vieira, da Rede Aquarela, questiona o comportamento de advogados durante o interrogatório. “Alguns tentam usar o argumento do prazer”, denuncia, explicando que o abuso e a exploração são relações unilaterais. “A resposta é biológica, não tem nada a ver com satisfação”.

“É algo traumático”. Desta maneira, a psicóloga Lucy Ana Marcello Frangipani, da Rede Aquarela da Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), define o abuso sexual contra crianças e adolescentes. Ela justifica a utilização do processo lúdico na abordagem de crianças, principalmente, muito pequenas. O crime envolve crianças de meses até 17 anos.

“A gente utiliza bonecos que representam a família, procurando ouvir a criança da melhor forma, para que a dor não seja tão forte”. Sobre o atendimento ao agressor, é incisiva: “Deve ser feito por outro profissional e não o mesmo que atende à vítima”. O atendimento psicológico é uma preparação para que seja feito o boletim de ocorrência.

Depois, a criança passa por situação semelhante, na Justiça, revivendo o fato por no mínimo duas vezes. A criança pode ser encaminhada a um dos núcleos de atendimento que funcionam Dececa e na Funci. A escuta não consiste em “perguntar ou instigar a criança porque isso aumenta a dor”.

REQUALIFICAÇÃO

Sistema penitenciário não ressocializa presos

O ser humano é cheio da possibilidades. É justamente a crença na transformação das pessoas que faz com que elas não paralisem. Nem para ficar na condição de vítima, nem no papel de agressor, defende a psicóloga Maria Luiza Moura Oliveira, do Conselho Federal de Psicologia. O tratamento dispensado ao agressor, muitas vezes, portador de transtornos graves, pode servir para identificar quais são os seus limites: “Nossa aposta é que ele se requalifique”.

Nadja Bortolotti, assessora jurídica e integrante da coordenação colegiada do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente no Ceará (Cedeca) considera importante a discussão sobre o tema, por ser pouco abordado. “A resposta é a punição e a responsabilização”, observa.

Além de chamar a tenção para o fato de que “existem pessoas que estão num ciclo de violência. Muitos foram violentados quando crianças”. Por isso, esclarece: “Não se quer a punição pela punição”. Considera que esta é uma lacuna que existe na condução do problema do abuso sexual contra crianças.

O medo é que o agressor retorne à sociedade e repita o crime, destacando que “o sistema penitenciário brasileiro não tem cunho de ressocializar os detentos”. Outra questão a considerar é quanto ao encaminhamento das denúncias. Existem três disques (municipal, estadual e federal) o que acaba comprometendo as estatísticas sobre o crime.

“Uma denúncia pode ser comunicada nos três números”, o fato dificulta a existência de uma base de dados. Embora considere importante várias portas de entradas para denunciar o crime. Não basta apenas quantificar números, falta a unificação dessas denúncias para que possam se transformar em ações judiciais e os culpados sejam julgados e responsabilizados por seus crimes.

Iracema Sales
Repórter

Fonte: Diáro do Nordeste

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