Em todo o país, mulheres trabalhadoras saíram às ruas. O dia internacional da mulher assumiu sua verdadeira face: mulheres campesinas de norte a sul, organizadas e mobilizadas, usaram as mãos, a voz e seus corpos para nos apresentar, a todos nós, alguns locais – e são tantos e tantos! - nos quais enormes atrocidades são realizadas diariamente. Arrancaram a máscara da propaganda que envolve grandes empresas e falsifica o mundo para trazer à tona a verdade de uma Vale do Rio Doce, de uma Votorantim, de uma Aracruz, que devastam sem piedade gigantescos territórios e as vidas das populações; para mostrar a tristeza de um Ministério da Agricultura, cuja atuação se pauta pela defesa do latifúndio e dos grandes proprietários de terra e de capitais; o horror das plantações de cana (etanol) onde se exaurem trabalhadores e se recompõe a monocultura que apenas produz a fome, de cima abaixo desse país; a feia verdade das usinas escravistas, como a Cruangi em Pernambuco; a perversidade de membros de setores públicos que devastam, em conluio com os poderosos, a educação das crianças do campo; mostram o descaso com a vida dos trabalhadores, a começar pelos tantos acampados e sem-terra para os quais inexiste uma verdadeira reforma agrária. Com seus corpos, demonstram ser possível a produção de alimentos de verdade, e nos ajudam a nos insurgir contra a invasão de transgênicos, contra a desertificação das terras, contra as obras que apenas servem aos poderosos, contra a furiosa apropriação privadas de todos os bens naturais, que iniciada pelas terras se espalha agora pelas águas.
Partindo de suas lutas campesinas, essas mulheres se sabem classe trabalhadora, sem medo de demonstrar a estreita relação do Estado com as grandes e poderosas famílias e empresas transnacionalizadas (estrangeiras ou aqui nascidas), em detrimento do conjunto da população. O FAT e o BNDES se se resumem a financiadores das grandes empresas, urbanas e rurais, onde o agronegócio recebe mais de 65 bilhões de reais por ano de bancos públicos.
A voz verdadeira dessas mulheres rompe o tom monocórdio de uma grande mídia cujos proprietários continuam com seu pensamento único, o da defesa da grande propriedade, rural e urbana. Essa mídia apenas alterou o tom da fala única neoliberal para recriar uma fala única sobre a crise, cujo custo exigem repassar para as costas dos trabalhadores e da grande maioria da população, enquanto reservam aos grandes proprietários, dos quais fazem parte – os mesmos que causaram a crise – os recursos públicos extorquidos das políticas universais.
A voz de mulheres que exigem o direito à luta entoa um canto onde ressoa a possibilidade de uma humanidade plena, rasgando o ar contaminado de sujeição e mostrando o quanto a vida plena depende dessa luta.
As mulheres da Via Campesina nos ensinam ainda algo ainda mais fundamental: a verdadeira luta das mulheres expressa a unificação de todas as lutas, pois contem em seu interior todas as lutas. Sem modificar a lógica social que produz sem cessar desigualdades, jamais seremos iguais – a exigência da igualdade para as mulheres é a luta capaz de permitir que sejamos simplesmente diferentes, e não hierarquicamente submissas! Erradicar para sempre a opressão das mulheres é acabar com o fermento das classes sociais, que se converte em exploração aberta das maiorias, pesando sobre mulheres e homens.
Não se trata de uma luta pela igualdade de algumas mulheres, mas de todas as mulheres e, para isso, é preciso emancipar a humanidade da existência das classes sociais. As mulheres camponesas mostram como, experimentando na própria pele a desigualdade social, a opressão patriarcal e seu cortejo de discriminações, que não atingem apenas mulheres, mas todos os grupos sociais que, por suas características, tornam-se alvo de subordinação social e de opressão, podem protagonizar uma luta comum, sintetizar em sua luta a luta de todos.
Como mulheres, camponesas e trabalhadoras, mostram que essa luta é pela humanidade plena, pela igualdade mais absoluta entre todos os seres humanos, única maneira de preservar, aprofundar e permitir que floresçam reais diferenças. Somente na igualdade podem existir diferenças e nuances. A desigualdade apenas gera, reproduz e aprofunda hierarquias, exploração e infortúnio.
Virgínia Fontes, mulher campesina urbana.
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