Polícia Civil afirma que 15 PMs integram grupo de extermínio chamado "Os Highlanders", que seria responsável por 12 mortes
Relatório final segue hoje para a Promotoria do Júri de Itapecerica da Serra (Grande SP); cinco das vítimas foram encontradas decapitadas
ANDRÉ CARAMANTE
DA REPORTAGEM LOCAL
O relatório final da Polícia Civil sobre a decapitação de um deficiente mental conclui que existe um grupo de extermínio na Polícia Militar de São Paulo integrado por ao menos 15 policiais e um comerciante, acusados de participação nas mortes de 12 pessoas só em 2008.
Dos PMs investigados, 14 são do 37º Batalhão, na zona sul de São Paulo, e um é integrante da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). Os PMs e o comerciante estão presos. Uma das 12 vítimas do suposto grupo criminoso é o deficiente mental Antonio Carlos Silva Alves, 31, o Carlinhos.
O documento obtido pela Folha tem 63 páginas e compara a atuação desse suposto grupo com a do "Esquadrão da Morte" -associação de policiais criada nos anos 60 que eliminava supostos bandidos e que se disseminou pelo país. O relatório será entregue hoje à Promotoria do Júri de Itapecerica da Serra (Grande SP).
"Highlanders"
Entre abril e outubro de 2008, cinco pessoas foram encontradas decapitadas, o que levou o grupo a ser chamado de "Os Highlanders". As outras sete vítimas foram baleadas. Dos 12 mortos, 11 viviam nas áreas de Capão Redondo, Parque Santo Antônio e Jardim Herculano. Um dos decapitados, cujo corpo foi achado no dia 23 de outubro -quando a Folha revelou com exclusividade a investigação dos PMs-, não foi identificado até agora.
Nesta década, quatro grupos de extermínio supostamente criados por policiais foram investigados em São Paulo -Ribeirão Preto (313 km de SP), Guarulhos e Osasco (Grande SP) e, no ano passado, PMs do 18º Batalhão, na zona norte da capital. Em todos os casos, a conclusão foi de que as mortes foram casos isolados, e não ação de um grupo organizado.
Investigação
Foram os depoimentos de testemunhas de 11 dessas 12 mortes que levaram a Polícia Civil a apontar os PMs como suspeitos pelos crimes. Seis dos mortos foram vistos em carros da PM -do 37º Batalhão e da Rota- antes da descoberta de seus corpos. No caso da chacina, testemunhas declararam ter visto 3 dos 15 policiais acusados no local.
"Estamos diante de uma organização criminosa formada por células, sendo certo que alguns achacam, alguns arrebatam, alguns executam, outros acobertam", diz o relatório, assinado por Ivan Jerônimo da Silva, chefe da equipe de investigadores que atuou no caso.
A Promotoria de Itapecerica encaminhará o relatório para o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), também do Ministério Público.
O próximo passo será investigar se os PMs suspeitos eram ligados a oficiais da corporação. Um deles, o coronel Eduardo Félix, atual comandante da Tropa de Choque e terceiro na hierarquia da PM, é citado no relatório -testemunhas e PMs acusados declararam, em depoimento, que um dos soldados presos tem ligação com o coronel, de quem seria protegido.
Leia a íntegra do relatório final da Polícia Civil
www.folha.com.br/090672
Frase
"Os fatos que estão se apresentando dia a dia dão a dimensão de uma organização extremamente organizada e setorizada"
IVAN JERÔNIMO DA SILVA
chefe da equipe que investiga o grupo de extermínio "Os Highlanders", em trecho do relatório final
Família de vítima contribui para apuração
Parentes de deficiente mental encontrado decapitado ajudou polícia na investigação do grupo de extermínio "Highlanders"
Ameaçados de morte, eles afirmam que Carlinhos foi levado em carro da PM e achado morto em Itapecerica da Serra no dia seguinte
Rafael Hupsel/Folha Imagem
Enterro de Antônio Carlos Alves, o Carlinhos, achado decapitado em Itapecerica; indício de que tenha sido vítima dos "Highlanders"
DA REPORTAGEM LOCAL A ação dos familiares do deficiente mental Antonio Carlos Silva Alves, 31, o Carlinhos, foi um dos fatores que contribuíram para a apuração na qual a Polícia Civil constatou a existência de um grupo de extermínio na Polícia Militar.
Por questões de segurança, a Folha não revela os nomes dos parentes de Carlinhos, que foram ameaçados de morte. "Ligaram na minha casa e disseram que, caso eu não me cale, vão arrancar minha cabeça também", diz a irmã de Alves.
"Corpo de homem, mas com idade mental de uma criança de oito ou nove anos", como é descrito pela mãe, Carlinhos trabalhava como pintor. Ganhava de R$ 10 a R$ 15 por dia e ajudava a mãe a reforçar a renda mensal de R$ 800 da casa.
Em outubro passado, o pintor começou a dividir os trocados com a mãe. Queria comprar calça de moletom e camiseta novas. As peças custariam R$ 50 e eram para o Natal.
Mas o projeto foi interrompido na tarde de 8 de outubro, quando ele voltava para casa cantando "Lacionais" (como ele dizia Racionais MC's, grupo de rap do qual era fã) e com a roupa marcada por respingos da tinta que aplicara ao longo do dia na parede da casa de algum vizinho do Jardim Capela (zona sul de São Paulo).
Naquele tarde, Carlinhos foi visto sendo capturado e colocado dentro do carro n.º 37104 da PM, onde estavam os PMs Moisés Alves Santos, Joaquim Aleixo Neto, Anderson dos Santos Sales e Rodolfo da Silva Vieira, apontado como protegido do coronel Eduardo Félix, terceiro na hierarquia da PM.
Sua irmã viu quando o carro da PM passou com alguém sentado no banco traseiro, no meio de dois PMs. "Nem imaginava que era o meu irmão, já que forçavam a pessoa para baixo." No dia seguinte, Carlinhos foi achado decapitado e sem as mãos em Itapecerica da Serra (Grande São Paulo).
Mesmo reconhecido pelos parentes, Carlinhos foi enterrado como indigente no dia 15 de outubro. No último dia 3, depois de exames de DNA comprovarem sua identidade, o corpo de Carlinhos foi transferido para outro cemitério. No segundo enterro, a mãe colocou no caixão as roupas que ele pretendia usar no Natal.
Mas o policial Ivan Jerônimo da Silva, chefe da equipe que investiga os "highlanders", não está satisfeito. Semana passada, a mãe de Carlinhos ligou para perguntar se ainda há chance de achar a cabeça e as mãos do filho. Ontem, Silva recebeu a informação de que o pai de José Carlos da Silva Junior, 15, uma das vítimas do grupo, teria sido ameaçado de morte por PMs. (ANDRÉ CARAMANTE)
Frase
"Ligaram na minha casa e disseram que, caso eu não me cale, vão cortar a minha cabeça também. Não tenho medo porque via minha mãe chorar e a verdade tem que prevalecer sempre"
IRMÃ DE CARLINHOS
outro lado
PM diz que aguardará o fim da investigação
DA REPORTAGEM LOCAL
Procurados pela Folha desde 10 de fevereiro para se manifestarem sobre a suposta existência de um grupo de extermínio dentro da Polícia Militar, formado principalmente por integrantes do 37º Batalhão, o comandante-geral da PM, coronel Roberto Antônio Diniz, e o subcomandante-geral, coronel Daniel Barbosa Rodrigueiro, não se manifestaram ontem, mais uma vez.
Na tarde de ontem, a reportagem reiterou os pedidos de entrevistas com os dois, mas, segundo o capitão Luis Antônio, da Comunicação Social da PM, por ser fim de semana a entrevista não seria possível.
O capitão Antônio limitou-se a reenviar uma nota oficial que a PM já havia mandado para a Folha no último dia 2. "Qualquer manifestação é precipitada e pode prejudicar as investigações. Quando as apurações estiverem conclusas e se puder apontar autores e individualizar responsabilidades, a PM se manifestará", diz a nota oficial.
"Reiteramos que a PM tem o maior interesse na apuração e responsabilização dos autores de tão bárbaros crimes e que, como é de conhecimento de todos, age em rigor em quaisquer casos em que seus integrantes violem valores éticos, morais e legais da instituição", continua.
"Quanto a possíveis ingerências do coronel Félix [comandante da Tropa de Choque da PM] no curso das investigações, o que se tem são citações vagas nos depoimentos dos investigados, autores confessos, todavia em atenção ao requerido pelo juiz corregedor do Tribunal de Justiça Militar, também foi instaurado Inquérito Policial Militar", finaliza Diniz, na nota reenviada ontem.
Os pedidos de entrevista com o coronel Eduardo Félix, citado em depoimentos como suposto protetor de um dos PMs acusado de pertencer ao grupo de extermínio e investigado, por ordem do Tribunal da Justiça Militar, sob suspeita de tentar coagir uma das testemunhas do caso, também são feitos pela reportagem desde o dia 12 de fevereiro, sem resposta.
A Folha não conseguiu localizar os advogados dos policiais militares e do comerciante que foram presos.
O major Luís Ricardo Benato, ex-comandante do 37º Batalhão, ao qual pertencem 14 dos PMs presos, também não foi encontrado.
Os PMs presos estão isolados no Presídio Militar Romão Gomes, ao qual a reportagem não tem acesso. (AC)
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