Infância Urgente

quarta-feira, 25 de março de 2009

RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA

PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE LEME

RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA

Considerando que, não obstante eventuais índices oficiais em sentido contrário, o Município de Leme apresenta elevado número de casos de crianças e adolescentes vitimizados, em situação de risco pessoal, familiar ou social e/ou com seus direitos violados ou ameaçados;

Considerando que essa realidade pode ser constatada no trabalho diário da Promotoria de Justiça e da Vara da Infância e Juventude, que conta hoje com quase 700 (setecentos) processos em tramitação envolvendo menores na situação acima elencada;

Considerando que há projeções de que essa realidade seja ainda mais assustadora, eis que nem todos os casos chegam à Justiça, por fatores diversos;

Considerando que compete prioritariamente ao Município a coordenação e execução de programas de atendimento a crianças e adolescentes em situação de risco;

Considerando que o ordenamento jurídico em vigor aponta para a intersetorialidade de políticas e programas de atendimento, e que inegavelmente as situações de risco que acometem crianças e adolescentes estão diretamente ligadas a deficiências na prestação da Assistência Social;

Considerando que a Assistência Social atualmente é moldada pela Constituição Federal, pela Lei Orgânica da Assistência Social (Lei Federal n. 8.742/93) e pela Política Nacional de Assistência Social – PNAS, esta última aprovada pelo Conselho Nacional da Assistência Social (CNAS) na Resolução n. 145/2004, na forma de um Sistema Único da Assistência Social – SUAS;

Considerando que a Política Nacional de Assistência Social não é mero programa de um governo, mas sim norma jurídica em vigor e que deve ser seguida e observada por todos;

Considerando que o SUAS regula em todo o território nacional a hierarquia, os vínculos e as responsabilidades do sistema de serviços, benefícios, programas e projetos de assistência social, de caráter permanente ou eventual, executados e providos em rede hierarquizada, na qual as iniciativas da sociedade civil não prescidem de uma atuação eficiente do Poder Público;

Considerando que o SUAS aponta para dois níveis de proteção social, a saber, a proteção básica e a proteção especial;

Considerando que a proteção básica, cujos serviços, projetos e programas estão referenciados nos CRAS (Centro de Referência da Assistência Social), tem um caráter preventivo e destina-se fundamentalmente a evitar que as situações de risco e vulneração de direitos ocorram, o que se aplica a crianças e adolescentes e a seus familiares, dentre outros grupos;

Considerando que, por isso mesmo, a proteção básica mostra-se insuficiente quando a situação de risco ou violação já está instalada e em desenvolvimento;

Considerando, então, que é a proteção especial (de média e alta complexidade) que se destina às famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, trabalho infantil, etc.;

Considerando que, como já foi referido, as situações referidas no item anterior são exatamente as que são acompanhadas pelos procedimentos em trâmite na Vara da Infância e Juventude;

Considerando que, não obstante algumas iniciativas de êxito, os programas e projetos atualmente desenvolvidos pelo Município de Leme para esse público alvo mostram-se insuficientes ou ainda muito incipientes;

Considerando que, dentro do SUAS, a Política Nacional de Assistência Social acima referida prevê a criação do Centro de Referência Especializado da Assistencia Social – CREAS como pólo de referência, coordenação e articulação desses serviços de proteção social especial de média complexidade, integrando-os com as demais políticas públicas e instituições que compõem o chamado "Sistema de Garantia de Direitos", dentre os quais o Ministério Público e o Poder Judiciário;

Considerando que, como pólo da política de proteção especial, o CREAS tem como objetivo desenvolver ações voltadas para o seguinte público referenciado de crianças ou adolescentes: 1) vítimas de abuso e exploração sexual, violência doméstica (incluindo as formas de negligência) ou situação de rua 2) sob medida de proteção, inclusive abrigamento, e quando necessário aos familiares do abrigado em situação de pós-desabrigamento 3) em cumprimento de medida sócio-educativa em meio aberto, dentre outras;

Considerando que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127 da Constituição Federal);

Considerando que o Ministério Público tem atribuição constitucional (artigo 129, II da Carta Magna) para zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, dentre os quais os direitos de crianças e adolescentes, promovendo as medidas necessárias à sua garantia;

Considerando que ao Ministério Público compete zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis (artigo 201, VIII, do Estatuto da Criança e do Adolescente) ;

Considerando que ao Ministério Público é facultado expedir recomendação administrativa aos órgãos da Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, requisitando ao destinatário adequada e imediata divulgação;

Considerando que o Estatuto da Criança e do Adolescente confere ao Ministério Público o poder para efetuar recomendações visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública afetos à criança e ao adolescente, fixando prazo razoável para sua perfeita adequação;

o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO resolve expedir a presente RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA à PREFEITURA MUNICIPAL DE LEME, para que, observadas as normas legais, providencie o Município a implantação do CREAS na cidade de Leme, dotando-o de estrutura e pessoal aptos para a prestação de serviços adequados e que atendam aos objetivos acima expostos. Recomenda-se, ainda, que o Administrador Municipal atente para os requisitos de funcionamento do CREAS, cumprindo-os e, na prática de suas atividades, não se desvie das finalidades traçadas na Política Nacional de Assistência Social e na regulamentação contida em normas federais e estaduais acerca da matéria.

Nos termos do artigo 201, § 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente, fica fixado o prazo de 120 (cento e vinte) dias, a contar do recebimento desta, para manifestação do destinatário acerca das medidas ora recomendadas.

Leme, 28 de abril de 2008.

Caio Adriano Lépore Santos
Promotor de Justiça

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