Infância Urgente

terça-feira, 31 de março de 2009

Estereótipo do macho propaga Aids entre os jovens, alerta diretora da ONU

MÁRCIA SOMAN MORAES
da Folha Online

O desafio para enfrentar a epidemia global da Aids está na prevenção da contaminação e na barreira imposta por um conceito muito mais antigo que a própria doença, os estereótipos da masculinidade ligados à promiscuidade e à rejeição aos preservativos, segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA, na sigla em inglês).

"Os jovens acreditam que para ser macho é preciso não usar camisinha, ter muitas parceiras, fazer sexo casual. Tudo isso é permitido porque faz parte da imagem de macho, mas, na verdade, os colocam sob risco da contaminação da Aids", afirma a indiana Purnima Mane, diretora executiva do UNFPA.

Mane veio ao Rio para um simpósio sobre o combate aos estereótipos da masculinidade como ferramenta de prevenção à Aids. "Precisamos convencer os homens a deixar estes estereótipos de gênero, não apenas para o benefício de suas parceiras, mas para seu próprio benefício", disse Mane, que defende uma "nova masculinidade" onde a ênfase está no "macho protetor e responsável".

A diretora da ONU afirma que o foco no comportamento masculino é resultado da compreensão de que, na maior parte das culturas, os homens são os que controlam o uso da camisinha. "Em culturas na África, por exemplo, se uma mulher é pega com uma camisinha na bolsa é presa como prostituta. As mulheres não podem nem ao menos comprar, quanto mais exigir, a camisinha por causa do estigma social."

A chave do programa, afirma Mane, está no combate aos estereótipos antes mesmo de sua influência definitiva no comportamento. "Se mudamos o comportamento cedo o suficiente, saímos em vantagem. Mudar algo que já se desenvolveu é muito mais difícil", explica a diretora. "É como o cigarro. É mais fácil convencer alguém que nunca fumou a não experimentar."

Influência

Mudar o comportamento, ressalta Mane, é mais fácil na teoria do que na prática. Como trabalha com jovens, a ONU foca seus esforços em encontrar influências positivas e combater aquelas que incentivam o comportamento de risco do velho macho.

"Muitos destes estereótipos do macho são conceitos presentes na cultura e defendidos mesmo por celebridades", afirma Mane.

O exemplo mais recente está nos Estados Unidos. O rapper Chris Brown, 19, foi acusado de agredir sua namorada, a cantora Rihanna, 21. As fotos da pop star com o rosto machucado vazaram na imprensa e iniciaram uma discussão entre os jovens americanos. Segundo uma pesquisa da Comissão de Saúde Pública de Boston, publicada pelo jornal "The New York Times", de 200 jovens consultados 42% dizem que a agressão é culpa de Rihanna e 52% dizem ser culpa de ambos.

Segundo um relatório da ONU de 2006, ao menos uma em cada três mulheres no mundo apanharam, foram forçadas a fazer sexo ou abusadas ao longo da vida. O agressor, na maioria dos casos, é alguém que elas conhecem. Este comportamento violento amplia a vulnerabilidade da mulher, explica Mane, que fica mais resistente em mudar seu comportamento passivo e exigir o uso do preservativo pelo homem.

"Nós sabemos que há muitas forças --educação, família, fé, cultura-- que influenciam a decisão dos jovens. O que fazemos é tentar trabalhar dentro da estrutura já existente, porque o simples confronto não traz resultado", explicou Mane, acrescentando que o programa da ONU depende da ação do governo e dos agentes da sociedade civil para funcionar.

Mapa da Aids

As barreiras culturais ao programa são ainda mais fortes na África, onde a cultura de alguns países condena mulheres que ajam contra comportamento promíscuo dos homens. Em parte por isso, a África subsaariana continua como a região com maior porcentagem de contaminação --onde vivem 67% de todas as pessoas contaminadas pelo vírus HIV e onde viviam 75% das vítimas da doença em 2007.

O caminho, ressalta Mane, é longo. Somente em 2007, segundo mais recente relatório da ONU, 2,7 milhões de pessoas foram infectadas pelo vírus HIV e outras 2 milhões morreram em consequência da doença.

Mas os resultados já começam a aparecer. Em 14 dos 17 países africanos com informação sobre a epidemia de Aids, a porcentagem de mulheres grávidas infectadas pelo vírus está em queda desde 2000. Em sete países, esta queda se igualou ou excedeu os 25% previstos para até 2010 na Declaração de Compromisso do Programa da ONU para a Aids.

"Nós temos o conhecimento, mas não é suficiente. Precisamos mudar atitudes, ambiente e políticas de incentivo, além dos serviços básicos de tratamento e prevenção", avalia Mane. "É muito para pedir agora, mas muito já se fez."

Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u543485.shtml

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