Chefe do PNUD na América Latina diz que a transferência de renda condicionada só funciona com educação e saúde públicas de qualidade
Para que o ciclo que perpetua a pobreza a cada geração acabe, não basta dar dinheiro para as famílias manterem seus filhos na escola. É necessário também oferecer educação de qualidade às crianças que procurarão estudo por causa do incentivo financeiro oferecido pelos programas de transferência de renda. A análise é da diretora regional do PNUD para América Latina e Caribe, Rebeca Grynspan, em seu artigo "A desigualdade e o desafio do desenvolvimento de longo prazo na América Latina e no Caribe".
No documento, a diretora avalia que, nos países latino-americanos em que a cobertura de serviços básicos - como os de educação e de saúde - avançou mais, a qualidade desses serviços não melhorou. “As transferências de renda que incentivam a demanda [por educação e saúde] não foram acompanhadas por intervenções necessárias do lado da oferta, determinando a persistência da má qualidade dos serviços oferecidos à população pobre”. A melhoria da qualidade desses serviços contribuiria para diminuir as desigualdades entre os países, argumenta Rebeca.
A América Latina, segundo a diretora regional do PNUD, é a região mais desigual do mundo. Do início do século passado até 1950, a desigualdade aumentou em todos os países da região sobre os quais há informações desta época. Desde então, até a década de 1990, somente Colômbia, Costa Rica e Uruguai apresentaram queda na desigualdade, observada nos anos oitenta. Já nos anos noventa, houve crescimento da desigualdade em dez, dos dezessete países da região dos quais há informações da época, sendo que os outros sete ficaram estagnados.
Segundo Rebeca, foi apenas neste século que o índice Gini — um indicador de disparidade de renda que varia de 0 a 100, sendo zero uma situação na qual toda população possui renda equivalente e 100 um cenário no qual somente uma pessoa detém toda renda de um país - teve queda significativa em países como Chile, Brasil, Argentina e México.
Essas discrepâncias entre cidadãos dos países da região — muitas vezes camufladas pelas médias nacionais, o que leva a diretora regional do PNUD a defender, em seu texto, que nos libertemos da “tirania das médias” — não são prejudiciais apenas para quem está nas camadas mais baixas da pirâmide social. De acordo com a diretora, a desigualdade tem efeitos negativos na economia do país como um todo e é a causa e o resultado de um “crescimento acidentado, volátil e descontínuo”. Assim, diz ela, a redução da desigualdade é um objetivo prioritário não só do ponto de vista normativo, mas também por suas implicações para a dinâmica econômica e a construção da democracia da região.
Para reverter este quadro desigual, as orientações do artigo incluem, além da melhoria nos serviços usados pela população pobre, o maior investimento em educação superior. Na contramão do pensamento que vê no gasto com educação superior um fator de agravo das desigualdades sociais, Rebeca Grynspan propõe que se olhe para a questão pensando a médio e longo prazo. O texto explica que, apesar de parecer inicialmente que, ao colocar dinheiro no ensino superior, os governos estariam beneficiando os mais ricos, já que eles são os que mais usam este serviço, o caso do Chile mostra o contrário. “No caso do Chile, por exemplo, mais da metade da redução da desigualdade salarial observada nos últimos anos se deve à expansão da matrícula na educação superior, técnica e universitária, a partir do retorno da democracia em 1990”, explica a diretora.
Além disso, o documento propõe também o fortalecimento das classes médias, deixando-as menos vulneráveis a choques pontuais. A diretora regional do PNUD defende que, para atingir tais objetivos, é necessário que o Estado e suas instituições se fortaleçam, a fim de garantir sua eficácia. A ideia de combate à pobreza, para Rebeca, deve ser transcendida. Na América Latina, é preciso “consolidar como objetivo o combate à desigualdade.”
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