Nascida sob a repressão da ditadura militar em 1973, já contando com mais de 30 anos de existência envolta por irregularidades e com pouco a comemorar, esta instituição teve a sua “infância” e “adolescência” certamente muito mais problemática que a dos “menores” que vem abrigando ao longo de sua história, sendo as denúncias de tortura e maus-tratos inerentes a toda sua trajetória histórica. A passagem para a vida adulta não foi diferente, marcada por freqüentes motins e rebeliões, muitas delas com finais letais, resultando em mortes. Em crise permanente, a instituição completa três décadas marcada por política truculenta e violenta de encarceramento dos jovens, sem ter assimilado ainda as medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), embora já passado 18 anos de sua existência.
Esta prática, contrária ao legal e constitucionalmente estabelecido em nosso ordenamento pátrio, restou consignada nas constatações feitas pelo grupo que acompanhou as inspeções no dia 15 de março de 2006 em São Paulo, conforme a seguir reproduzido:
“Ficou caracterizada a ausência de compromisso nestas unidades com um projeto sócio-educativo que atendesse aos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente. (...)
A partir das observações da estrutura física, do contato com os funcionários, dos relatos dos adolescentes e das marcas corporais, a grave constatação é a de que a Febem - SP é um sistema prisional, pautado pelas práticas de tortura, negligência e humilhação no trato com os adolescentes sob a responsabilidade do Estado, em completo desacordo com o instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
O ambiente é de intensa violência, que atinge os internos e funcionários, física e psicologicamente.
Foi possível observar e entrar em contato com adolescentes que sofreram castigos físicos e estavam aprisionados em celas.
Até o presente momento, não houve implementação efetiva de um plano sócio-educativo para estes adolescentes; há a ausência de um projeto e de qualquer atividade profissionalizante em consonância com uma proposta sócio-educativa; há forte tendência de culpabilizar os adolescentes pelos acontecimentos violentos ocorridos no interior das unidades; e tendência de resolver os conflitos somente na esfera da segurança. Também ausência da responsabilidade da Febem pela capacitação continuada dos funcionários com vistas à realização de um atendimento educacional dos adolescentes e a superar as práticas de violência. (...)
Portanto, as constatações supracitadas evidenciam as graves violações de direitos dos adolescentes, a vigência do sistema carcerário no cumprimento da medida sócio-educativa de privação de liberdade e a ausência de perspectivas concretas na construção de uma política e proposta de atendimento aos adolescentes”.
Tais constatações refletem décadas de descaso e de omissão de vários governos que se sucederam no Estado de São Paulo, e, pelas atrocidades cometidas, respondeu recentemente a processos perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Também recentemente, em 2006, o Poder Judiciário condenou a instituição pela morte de um garoto em uma das Unidades do Complexo de Franco da Rocha. A decisão judicial determinou o pagamento de irrisórios 20 (VINTE) salários mínimos pelos danos materiais, ou seja, entendeu ser este o valor da vida de um jovem que é abrigado na FEBEM.
Este modelo da FEBEM é efetivamente considerado totalmente incompatível com todas as convenções internacionais de garantia constitucional de respeito e defesa dos direitos humanos, sendo um triunfante exemplo de eficiência nazista de encarceramento e extermínio das populações marginalizadas, e o pior de tudo: sua irresponsável existência vem sendo drasticamente mantida com a conivência do Judiciário, cuja existência se funda na guarda da legalidade e da ordem constitucional.
O direito à vida, consagrado e garantido constitucionalmente a todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, não se refere a qualquer vida, não corresponde a uma mera e vil sobrevivência, esta garantia jamais pode ser entendida e dissociada do fundamento inserido logo no art. 1º da Constituição, inciso III, ou seja, a vida de todo ser humano neste país residente somente estará sendo respeitada se for acompanhada da dignidade que lhe é inerente.
Mas para o Estado nacional não basta a não garantia da vida digna, pois o cabo a ela vêm sendo dado com uma certa constância na história daqueles que não têm o mínimo de garantia e que são enviados às instituições estatais responsáveis pelo encarceramento de pessoas que cometeram algum ilícito de origem penal, sejam eles adultos ou adolescentes, embora haja expressa vedação constitucional à pena de morte neste país.
Vale nos reportarmos ao caso envolvendo o adolescente Ronaldo Alves Cordeiro, cujo término de sua existência ocorreu no interior da Unidade de Internação da Vila Leopoldina em 19 de julho de 2007.
O jovem foi encontrado já morto em um dos quartos utilizado como dormitórios pelos adolescentes, estava com um pedaço de tecido envolto em seu pescoço amarrado a um lençol na luminária. Segundo consta no procedimento de sindicância interna instaurado para apreciação do caso, foi encontrado por outros jovens, os quais foram avisar os funcionários, que, ao chegarem lá, nada mais puderam fazer para reverter a situação. O referido procedimento, embora não seja ainda definitivo, concluiu afirmando a ocorrência de enforcamento pelo próprio adolescente, ou seja, suicídio, pelo que a Corregedoria da Fundação CASA entendeu ter havido “flagrante negligência” por parte de todos os funcionários responsáveis pelo resguardo da integridade física do jovem.
Embora, tanto pelo depoimento dos adolescentes ouvidos na Sindicância quanto de alguns funcionários, a versão de suicídio tenha sido suscitada por alguns como inverídica, assim concluíram os julgadores in casu, principalmente, por haver registro de tentativa infrutífera anterior do adolescente atentar contra sua própria vida.
Em data anterior, especificamente em 23 de março de 2007, na mesma unidade, Ronaldo havia tomado um litro de cândida e engolido dezesseis giletes, pelo que foi levado ao pronto socorro e socorrido a tempo, e, ato contínuo, seguindo a tratamento psiquiátrico. Além do mais, segundo relato dos próprios internos, Ronaldo apresentava comportamento estranho, pois conversava sozinho e também com o bueiro.
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