Infância Urgente

domingo, 1 de março de 2009

Relatório de Visita na FEBEM 10

Ainda que um sistema democrático possibilite opiniões e entendimentos diferenciados, fazendo com que diversificados projetos, com os mais diversos e questionáveis assuntos, possam ser apresentados por qualquer representante no Legislativo, devemos enfatizar que tais proposições jamais podem ter prosseguimento se aviltarem direitos e garantias constitucionais, isto porque vivemos num Estado não apenas Democrático, mas também de Direito. Por esta mesma razão há diversos órgãos de controle nos Poderes da República, e também há o controle mútuo dentre os três poderes.
Mas, estes órgãos por vezes, e não raras, vêm se mostrando, em alguns de seus setores, notadamente falhos no exercício da atribuição que lhes compete, maior prova disto na seara infanto-juvenil, encontra-se no fato da Comissão de Justiça e Constituição do Senado apresentar, em 26 de abril de 2007, parecer favorável a Proposta de Emenda Constitucional nº 20/99, de autoria do então senador e hoje governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, que reduz a maioridade penal para 16 anos de idade. Ressalta-se que evidente inconstitucionalidade foi considerada de acordo com a ordem constitucional, apesar dos esforços diversas entidades e movimentos de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes apontarem insistentemente a referida irregularidade.
Com a referência dos projetos colacionados podemos identificar como está sendo tratado por alguns de nossos legisladores a questão da criminalidade no Brasil, também de acordo com levantamento realizado pela socióloga Laura Frade, dos 230 projetos sobre questões criminais propostos entre os anos de 2003 e 2007, 224 tratavam de agravar o tratamento dados aos acusados. Desses, 30 tratavam sobre justiça juvenil (29 com o intuito de recrudescer as regras e apenas 01 com o objetivo de abrandá-las).
As propostas ofertadas no Congresso Nacional com o intuito de influir no sistema juvenil são diversas, mas a maioria se direciona numa via de mão única, visando a diminuir direitos materiais e processuais dos adolescentes, seja no sentido de reduzir a maioridade penal, de considerar a infração cometida pelo adolescente como elemento para reincidência se cometido o mesmo crime na idade adulta, ou de aumentar o tempo da medida de internação, denotando uma clara opção à repressão pura e simples, não revelando preocupação efetiva com a solução dos problemas políticos, econômicos, sociais e culturais, que muitas vezes influenciam os jovens no cometimento de condutas descritas como ilegais.
Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, lançada em 2004 com o perfil dos adolescentes que cumprem medida de internação revela que, dos 10 mil adolescentes pesquisados, 76% tinham entre 16 e 18 anos e 6% entre 19 e 20 anos, ou seja, mais de 80% dos adolescentes em conflito com a lei neste país encontram-se dentro da idade que se pretende chegar com a inconstitucionalidade absurdamente proposta tanto no Senado quanto na Câmara, significando isto que a proposta do conjunto do Poder Legislativo brasileiro para a “solução” da criminalidade juvenil está baseada, principalmente, e quase que exclusivamente, em jogá-los nas diversas unidades do Sistema Carcerário nacional, segregando-os e aniquilando-os, decretando-se, assim, a total exclusão dos adolescentes deste país da vida em sociedade, oferecendo-lhes, ao invés de vida digna, a mais ultrajante e humilhante indignidade.
É importante deixar claro que a maioridade penal aos 18 anos se baseia na concepção de que os jovens são sujeitos em estágio de desenvolvimento, mas é também uma decisão política de Estado que demonstra a crença na possibilidade de sociabilidade saudável de nossos jovens e demonstra que a criminalidade não lhes é algo intrínseco. Como visto, esmagadora maioria dos adolescentes em conflito com a lei está entre os 16 e 18 anos, ou seja, no estágio no qual vivenciam o auge das transformações psicológicas e biológicas, sendo este momento da vida um período fundamental para a construção da identidade, o que confirma a tese de que estes merecem tratamento diferenciado, pois o ato infracional não é o reflexo de um mal intrínseco em sua personalidade, como muitos, eficazmente influenciados com grande auxílio dos meios midiáticos de comunicação, acreditam, mas é reflexo de vulnerabilidades pessoais e sociais potencializados por esta fase peculiar da vida humana. Porém, os argumentos psicológicos, biológicos e sociais em volta da questão são ignorados ante o interesse por livrar-se desses jovens e segregá-los pelo máximo de tempo possível.
A verdade que vem nos sendo constantemente ocultada é que este modelo neoliberal de Estado, que conduz a economia e a política em diversos países, está levando os jovens a um sofrimento brutal, muito diferentemente do que vem sendo propagado pela grande mídia nacional, que insistentemente se vangloria em propalar a falta de limites e o excesso de violência advindo da parcela jovem da sociedade, de forma a manipular a opinião pública .
Conforme estudo do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), divulgado no final de 2006, que reflete o enorme dano que o atual modelo de segurança pública vem ocasionando aos menores de 18 anos, ao contrario das idéias veiculadas pelos meios de comunicação, os jovens têm sido as maiores vítimas da violência nos grandes centros. Este estudo atesta que cerca de 16 (dezesseis) crianças e adolescentes são assassinados por dia no Brasil, sendo que essas mortes aumentaram 80% entre os anos de 1990 e 2002. Este trágico dado confirma uma posição que de nada temos para nos orgulhar, pois, este país ocupa o terceiro lugar, em um ranking de 84 nações, no que se refere à morte por homicídios de jovens que se encontram na faixa de 15 a 24 anos de idade. Não há nação, entre 65 países comparados, onde os jovens morram mais por ação de armas de fogo do que no Brasil.
Isto confirma que o discurso de alguns de nossos legisladores está partindo de uma retórica completamente equivocada, pois não são os adolescentes que estão matando as pessoas neste país, e sim o contrário: este país é que está matando os nossos adolescentes.

Nenhum comentário: