Infância Urgente

segunda-feira, 25 de maio de 2009

CARTA DE VITÓRIA

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda, reunido na 174ª. Assembléia Ordinária, realizada de forma descentralizada em Vitória/ES, nos dias 12 a 14 de maio, realizou uma audiência pública na Assembléia Legislativa com vistas ao debate das políticas públicas de enfrentamento da violência sexual no Estado.

Devido a denúncias relativas às mortes de dois internos na Unidade de Internação Socioeducativa (Unis) nos últimos 30 dias, bem como um novo espancamento envolvendo outro adolescente no dia de ontem, o Conanda também realizou visitas às principais unidades e programas do sistema socioeducativo, ouvindo os servidores, operadores do sistema de segurança e justiça, bem como os próprios adolescentes.

Destacam-se, inicialmente, alguns avanços na implementação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), tais como: a inauguração nesta semana da primeira unidade de internação, construída com recursos do Fundo Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, em consonância com os novos parâmetros arquitetônicos preconizados; a implantação do primeiro programa de semi-liberdade; a recente municipalização das medidas em meio aberto na região metropolitana; e, por fim, o compromisso do governo estadual na destinação de recursos que possibilitarão a construção de novas unidades de internação com vistas à desativação dos atuais equipamentos, hoje incompatíveis com as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, e as condições mínimas de dignidade humana.

Embora tenham sido observadas estas iniciativas, o Conanda identificou graves violações dos direitos dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, desde a apreensão do adolescente, aplicação e execução da medida, tanto em meio aberto quanto em meio fechado, envolvendo distintas instâncias do Sistema de Garantia dos Direitos.

Das violações postas, ressaltamos a extrema precariedade das instalações prediais das unidades de internação, que operam com superlotação, insalubridade, sem iluminação e ventilação, rede elétrica danificada, condições sanitárias sub-humanas, alimentação imprópria para o consumo e para a faixa etária, e que afrontam o princípio da dignidade humana e colocam em risco a saúde e a própria vida dos adolescentes.

Dentre as violações dos direitos dos internos estabelecidos no artigo 124 do ECA, identificamos a falta de acesso ao atendimento de saúde, à educação, à profissionalização, a atividades de lazer e meios de comunicação, à visita e contatos com familiares, aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal, impactando negativamente no crescimento e desenvolvimento dos adolescentes.

A maioria dos adolescentes aponta a existência de lesões corporais decorrentes da ação policial no ato de apreensão, bem como dos procedimentos de revista semanal realizados nas unidades de internação pelo grupo de agentes socioeducativos denominado pelos internos de “choquinho”, com práticas de desnudamento e agressões físicas com cacetetes e projéteis de borracha. Também apontam a exigência de revistas íntimas de suas mães, mediante desnudamento e agachamento, bem como proibição de entrada de alimentos.

Com relação aos procedimentos para a aplicação e cumprimento da medida socioeducativa, destaca-se ainda que a grande maioria dos internos não tem garantido o direito à defesa técnica, tampouco a informações relativas ao processo judicial.

Quanto ao sistema de justiça, foram observados os prazos expirados na internação provisória, a suspensão das audiências, o descumprimento de decisões judiciais de instâncias superiores quando impetrados habeas corpus em favor dos adolescentes, o desrespeito aos princípios da brevidade e excepcionalidade na internação. Verifica-se ainda a equivocada duplicidade de medidas em meio aberto (prestação de serviços à comunidade + liberdade assistida), aplicada ao mesmo adolescente e com relação ao mesmo ato infracional. Outro fator que causa estranheza é o modelo do Centro Integrado de Atendimento Socioeducativo (CIASE), notadamente pela ausência do representante legal da Vara da Infância e Juventude, instalado em outro espaço físico, o que certamente agrava e contribui para as violações ora descritas.

Na unidade de triagem, constatou-se que os adolescentes ali internos permanecem por um tempo superior ao legalmente previsto, bem como não são devidamente separados, uma vez que convivem nas mesmas “celas” com adolescentes em outras situações, observando-se que alguns estão em regime de internação provisória e outros já com medidas de internação, como no caso da transferência de outras unidades por medida de segurança. Da mesma forma, na unidade feminina de internação observamos que as adolescentes em regime de internação provisória estão juntas àquelas que já cumprem medidas de privação de liberdade.

Além disto, verificamos a existência na estrutura física e administrativa do Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo de uma unidade de atenção a pessoas com deficiências não relacionadas ao cumprimento de medida socioeducativa e que, portanto, deveriam estar sob cuidados de outra instituição. Ressalte-se que tais usuários têm acesso ao sistema de saúde apenas em situações emergenciais e não inseridos no sistema de ensino, nas ações da assistência social e de convivência familiar e comunitária.

Por último, cabe destacar que o Conanda acompanhou no CIASE no dia 13 de maio o atendimento de um adolescente vítima de espancamento na mesma unidade em que ocorreram as duas mortes do último mês. Chamou a atenção as semelhanças dos atos, seja na barbárie da agressão praticada, seja na falta de intervenção pelas equipes da unidade, com a adoção de medidas preventivas e até de imediato socorro em tal circunstância.

Diante de tal contexto, o Conanda recomenda e requer a adoção de medidas imediatas para a reversão das violações dos direitos identificadas:

- ao Governo Estadual:

a) que seja decretada Situação de Emergência para a adoção de medidas imediatas com relação à estrutura física e de pessoal necessárias ao cumprimento das normas previstas no ECA e no SINASE;

b) que seja entregue ao Conanda, no prazo de 30 (trinta) dias um Plano Emergencial, prevendo a adoção de medidas em todas as unidades de internação do Espírito Santo com vistas à resolução das questões mais prementes, como as aqui descritas, em destaque para garantia dos direitos à saúde e educação;

c) que este Plano inclua a possibilidade de ocupação imediata das vagas disponíveis da nova unidade de internação – CES, bem como ampliação de outras 30 vagas, com a construção de novos módulos;

d) que seja realizada a imediata apuração das mortes ocorridas e deste espancamento citado, através de uma comissão mista, com representação do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente e do Conselho Estadual dos Direitos Humanos;

e) que seja ampliado o quadro de defensores públicos para fortalecer a defesa e garantia dos direitos dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas;

f) que a UNAED- Unidade de Atendimento aos Deficientes migre para a área de assistência social, objetivando o devido reordenamento com vistas à garantia dos direitos das pessoas com deficiências;

g) que realizem vistorias das condições prediais e sanitárias das unidades de internação, com auxílio dos órgãos municipais competentes.

- ao Governo Federal:

a) que a Comissão Intersetorial de Implementação do SINASE realize reunião extraordinária, no prazo de 30 (trinta) dias para análise do Plano Emergencial supra citado, com vistas a subsidiar as condições necessárias para a melhoria do sistema através de ações intergovernamentais.

- aos Governos Municipais:

a) que sejam apresentados aos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, no prazo de 60 (dias) planos de implementação das medidas em meio aberto, em especial na região metropolitana e municípios com mais de 50 mil habitantes;

b) que realizem vistorias das condições prediais e sanitárias das unidades de internação, com auxílio dos órgãos estaduais competentes.

- aos Conselhos Estadual e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente

a) que demandem, com prioridade, aos gestores respectivos em seu âmbito de atuação os Planos de Atendimento Socioeducativo e que estes sejam encaminhados à Comissão Intersetorial de Implementação do SINASE do governo federal;

b) que seja priorizada a ação de acompanhamento da implementação do SINASE em seus respectivos âmbitos, incluindo o monitoramento do orçamento na área.

- ao Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo:

a) que sejam garantidos os direitos dos adolescentes com relação ao devido processo legal, criando estruturas e procedimentos necessários a esta finalidade, destacando a criação de Varas especializadas para medidas protetivas separadamente das medidas socioeducativas, integração ao CIASE, celeridade e cumprimento dos prazos;

b) que seja aplicada as medidas de meio aberto e de semiliberdade, sempre que possível e observada a municipalização, ao invés de medidas de internamento.

- à Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Espírito Santo:

a) que sejam garantidos os direitos dos adolescentes com relação ao devido processo legal, criando estruturas e procedimentos necessários a esta finalidade, destacando a criação de promotorias especializadas para atuar em varas da infância e da juventude e instauração de procedimentos administrativos para apurar as irregularidades na execução das medidas socioeducativas.

- aos Conselhos de Classe, entidades de defesa dos direitos humanos e demais instituições:

a) que sejam adotadas as medidas pertinentes às suas atribuições, para garantir aos adolescentes os direitos assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Por final, o Conanda destaca que a efetivação dos direitos da criança e do Adolescente no Estado do Espírito Santo somente será possível a partir do compromisso assumido por cada um dos órgãos responsáveis pela efetividade do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.



Vitória, 14 de maio de 2009.

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