Cesar Schirmer
Certa tarde de domingo, os desafortunados espectadores do Domingão do Faustão assistiram a mais ou menos o seguinte diálogo inusitado entre o apresentador Fausto Silva e a cantora Adriana Calcanhoto:
Fausto: Você gosta de música?
Adriana: Não, eu não gosto de música. Eu odeio música!
O diálogo acima foi inusitado pela resposta irônica da entrevistada, a qual é bem inteligente. Mas não é inusitado pela pergunta estúpida do apresentador. No Faustão, geralmente os entrevistados fazem cara séria, e respondem às perguntas estúpidas como se fossem perguntas inteligentes. Poucos não suportam a estupidez e chutam o pau da barraca, como Adriana Calcanhoto fez.
Programas de TV são povoados por perguntas e pressupostos estúpidos como os que regem a escolha de perguntas de Fausto Silva. (Lembre do "Homer" visualizado pelo jornalista responsável pelo Jornal Nacional.) A doutrina por detrás dessa escolha é que o incompreensível afasta o público, o compreensível o atrai. E a TV quer público em quantidade, pois é remunerada pela quantidade de público. Assim, o pessoal da TV faz perguntas estúpidas na TV e apresenta programas estúpidos porque assim supostamente mantém a audiência dos que não são estúpidos, pois esses podem compreender uma estupidez, e não afasta a audiência dos estúpidos, pois esses compreendem o que é suficientemente estúpido para seu nível de compreensão.
A doutrina acima é perversa, pois estimula a estupidez, e essa não é um bem social, nem deve ou precisa ser estimulada. Podemos chamar tal doutrina da TV de doutrina da estupidez. Se essa doutrina está certa, então os mais estúpidos não são afastados, e os mais espertos aguentam o que é estúpido, pois isso ao menos é compreensível, e todos querem o conforto do conhecido, todos têm medo do desconhecido.
Bem, mas a doutrina está errada, pois nem todos têm medo do desconhecido, e os mais espertos preferem programas mais espertos. Eis porque, com a vulgarização do acesso à internet e a outras mídias onde todos podem produzir conteúdo, e há mais inteligência, houve migração e transformação de espectadores da TV para agentes do universo da web. E assim a TV e outras mídias que se regem pela doutrina da estupidez perderam público.
Entra o ministro das comunicações do Brasil, o sr. Hélio Costa. Ele está muito preocupado com o faturamento das empresas de rádio e TV, nem um pouco preocupado com a nocividade da estupidez para os jovens, como mostra a seguinte notícia:
“Juventude tem que “despendurar” da internet e voltar a ver TV, diz ministro
A abertura do 25º Congresso Brasileiro de Radiodifusão, promovido pela Abert, nesta terça-feira, 19, contou com um comentário inusitado do ministro das Comunicações, Hélio Costa. O ministro fez uma defesa arraigada do setor de rádio e televisão, e sugeriu que os jovens devem usar menos a internet e assistir mais programas de TV e de rádio.
“Essa juventude tem que parar de só ficar pendurada na internet. Tem que assistir mais rádio e televisão”, afirmou o ministro em seu discurso, após relembrar a distância entre o faturamento da radiodifusão e das telecomunicaçõ es. “O setor de comunicação fatura R$ 110 bilhões por ano. Desse total, somente R$ 1 bilhão é do rádio e R$ 12 bilhões das TVs. O resto vocês sabem muito bem onde está”, provocou o responsável pelas comunicações do país.” (Teletime)
O Hermenauta comenta:
Vejam que o Ministro não está dizendo que os jovens têm que largar a internet e ir namorar, ou estudar, ou praticar esportes. Está dizendo que os jovens têm que despendurar da internet -- que é uma indústria de telecomunicaçõ es -- e se pendurar na televisão -- que é uma outra indústria de telecomunicaçõ es, mas é mais próxima ao Ministro.
E, por que os jovens têm que voltar para a TV? Ora, porque o setor de rádio e TV fatura apenas 13 bilhões/ano de um total de 110 bilhões/ano faturado pelo setor de comunicações, só por isso!
Ainda bem que Hélio Costa não é ministro da saúde, pois ele poderia ser convidado a palestrar em um congresso da indústria farmacêutica, e acabaria reclamando das pessoas que abandonam o cigarro e não desenvolvem câncer e das pessoas que abandonam o açucar e não desenvolvem diabetes.
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