Infância Urgente

domingo, 24 de maio de 2009

Uma pena maior do que o crime

Quadro deplorável de unidades de internação de menores infratores não se restringe ao ES
Luciana Abade
BRASÍLIA

Há exatos dez dias, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) encontrou em visita realizada nas unidades de internação de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas no Espírito Santo um quadro gritante de desrespeito aos direitos humanos: unidades com superlotação, sem iluminação e ventilação, rede elétrica danificada, condições sanitárias "sub-humanas", alimentação imprópria para a faixa etária, além da falta de assistência à saúde, à educação e à profissionalização. O cenário impressionou o secretário executivo do Conanda, Benedito Rodrigues dos Santos. Não deveria. Afinal, o que pareceu ao secretário "uma volta à Idade Média e as masmorras", não é, na verdade, nenhuma novidade.

Em 2006, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, em parceria com a Confederação Nacional de Psicologia, percorreu 23 estados brasileiros para inspecionar as unidades de internação de medidas socieeducativas. Em todas elas foram encontradas irregularidades. A maioria estava a beira do caos. Entre elas, a Unidade de Internação Sócio Educativa do Espirítio Santo (Unis), onde foi observado "jovens retirados da sociedade, colocados em um espaço sem a mínima condição de permanência, sem apoio e sem qualquer trabalho efetivo de acompanhamento e inserção no meio social", dizia o relatório da OAB.

Problema nacional

A persistência da precariedade do sistema que foi criado para ressocializar os jovens infratores não é, contudo, exclusividade do estado. No Rio Grande do Sul, a situação também não progrediu. É o que garante a advogada do Instituto de Acesso a Justiça do RS, Flora de Oliveira, que participou da vistoria realizada pela OAB naquele estado no Centro de Internação Provisória Carlos Santos. Em 2006, o grupo encontrou um número excessivo de adolescentes por celas. Algumas programadas para abrigarem 60 adolescentes, por exemplo, recebiam 120. Como não haviam camas para todos, colchonetes eram espalhados pelo chão das celas.

Segundo Flora, o sindicato dos funcionários da Fundação de Atendimento socioeducativo (Fase) afirmou na última reunião de 2008 do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente que os internos continuavam dividindo colchões pelo chão e tendo que receber da família materiais de higiene básica.

O presidente da Fase, Irany Bernardes, confirma a superlotação, que piorou desde 2006. Atualmente, 170 adolescentes estão internados na instituição. Boa parte deles há mais de 45 dias, prazo máximo estabelecido pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) para uma detenção provisória.

Bernardes, no entanto, comemora o início da reforma geral que passará o Carlos Santos para sanar as deficiência estruturais. A obra levará dez meses para ficar pronta e custará R$ 900 mil. Mas não resolverá o problema da superlotação causado, de acordo com o presidente, pela demora das decisões judiciais e, algumas vezes, pela transferência de alguns adolescentes de outras unidades do estado.

Uma prática que chamou a atenção do grupo de vistoria de 2006 foi o uso exarcebado de psicotrópicos – remédios que agem sobre o sistema nervosos central – por parte de 80% dos adolescentes do Carlos Santos. De acordo com Flora, a prática de medicar os adolescentes para acalmá-los continua e, por isso, a Associação Nacional dos Centros de Defesa (Anced) está investigando a situação para sistematizar ações e difundir um protocolo que apresente os casos tratados e seus desdobramentos jurídico-sociais, a fim de que sirvam de subsídios para futuras intervenções.

Para Bernardes, a análise do uso de psicotrópicos não pode ser feita de maneira simplista, uma vez que boa parte dos internos são viciados em drogas e precisam ser medicados durante o período de abstinência que passam quando adentram o sistema socioeducativo. O presidente garante que a medicação é prescrita por médicos qualificados e estima que, no momento, caiu para a metade, 40%, o percentual de jovens que fazem uso desse tipo de remédio.

Bernardes afirma que lidar com o jovem em conflito com a lei é muito complexo. Mas que a sociedade, ao invés de apenas julgar os centros de internação, deveria fazer a sua parte e exigir do Estado a potencialização das política públicas que evite a evasão escolar, que cuide das crianças que estão nas ruas envolvidas com drogas e das famílias de baixa renda que perdem seus filhos para o crime.

Analisando os exemplos do Rio Grande do Sul e do Espírito Santo, é possível notar que mesmo com o conhecimento do Estado a situação não melhorou. A constatação põe em evidência a omissão dos governos estadual e federal e levanta dúvidas se as medidas tomadas na última semana pelo Conanda – um manifesto enviado aos governos federal e estadual e ao Supremo Tribunal Federal (STF) – realmente surtirão efeitos.

Fonte: Jornal do Brasil

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