Infância Urgente

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Debate sobre políticas públicas na saúde mental lota auditório em Suzano

Promovida pelo Fórum Permanente de Saúde Mental do Alto Tietê, em comemoração ao Dia de Luta Antimanicomial, a atividade revelou o déficit de serviços de atendimento psicossocial na região e o alto número de pessoas que permanecem há mais de um ano internadas em hospitais psiquiátricos

WANDERLEY COSTA

O promotor de Justiça de Mogi das Cruzes, Fernando Henrique de Moraes Araújo, ponderou a questão das internações psiquiátricas


Com auditório do Centro de Educação e Cultura “Francisco Carlos Moriconi” lotado, o debate “Políticas Públicas em Saúde Mental e suas interfaces no Alto Tietê”, promovido pelo Fórum Permanente de Saúde Mental do Alto Tietê, em comemoração ao Dia de Luta Antimanicomial,celebrado em 18 de maio, revelou o déficit de serviços de atendimento psicossocial na região –apenas um Caps (Centro de Apoio Psicossocial) em Suzano- e o alto número de pessoas que permanecem há mais de um ano internadas em hospitais psiquiátricos, apesar da determinação da Lei Federal 10.216, de 6 de abril de 2001, que em seu artigo 5° estabelece que “as pessoas há longo tempo institucionalizadas em hospitais psiquiátricos deveriam ser objeto de política específica de alta planejada e de reabilitação psicossocial assistida”.

Conforme o levantamento realizado pela Secretaria de Estado da Saúde entre março e abril do ano passado, 6.349 pacientes de longa permanência moram nas instituições psiquiátricas há um ano ou mais. No total são 3.930 homens e 2.419 mulheres morando em hospitais psiquiátricos do Sistema Único de Saúde (SUS). A faixa etária de maior prevalência é de 50 a 60 anos, com 22,6%. Do total de internados, 62,8% têm entre 40 e 70 anos, e somente 0,69% têm menos de 20 anos. O tempo médio de internação dos pacientes é de 15 anos. A grande maioria (74,8%) foi internada entre 1941 e 2000, e 77 do total de pacientes estão internados há mais de 65 anos.

Dos 6.690 diagnósticos, a esquizofrenia e transtornos esquizofrênicos e delirantes foram encontrados em 42,6%. Noventa e um por cento dos moradores apresentam apenas um diagnóstico relacionado à saúde mental, mas 144 pessoas não possuíam diagnósticos psiquiátricos.

Os pacientes de saúde mental, que moram em 56 hospitais psiquiátricos conveniados ao SUS no Estado de São Paulo foram, no geral, abandonados pelas famílias. Do total, 77,2% foram internados involuntariamente. A maioria dos moradores, 65,2% está internada por situação de precariedade social associada a transtornos mentais. No entanto, 519 pacientes têm na precariedade social o único motivo para a manutenção da internação psiquiátrica.

Após a apresentação do levantamento, a coordenadora estadual de Saúde Mental, Regina Bichaff, demonstrou a situação do Alto Tietê, onde somente Suzano possui um Caps –serviço implementado em 2006. A gerente do Ambulatório de Saúde Mental de Suzano, Valéria Oliveira, complementou que entre 2005 e 2008, o atendimento foi descentralizado, passando a contar com três equipes distribuídas nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) Boa Vista (dois psicólogos e um psiquiatra), Jardim Colorado e Palmeiras, o Caps II, além do Ambulatório de Saúde Mental, que está sendo transformado em Caps I.

Embora identifique um déficit de serviços na região para articular uma rede integrada de atendimento – o indicador é que toda a cidade com 20 mil habitantes comporta um Caps- e defenda a desinternação dos pacientes de unidades psiquiátricas, a coordenadora estadual de saúde mental afirmou que o Estado tem interesse de investir em residências terapêuticas, mas não em Caps. Também ao ser indagada sobre o orçamento destinado aos municípios para a área, Regina disse não ter conhecimento de valores.

Na opinião do promotor de Justiça de Mogi das Cruzes, Fernando Henrique de Moraes Araújo, que abordou a questão dos direitos humanos na saúde mental e o direito do interdito, embora o censo traga informações importantes, acredita subestimar a realidade. “O Ministério Público não recebeu qualquer denúncia de internações prolongadas nos leitos do Hospital Luzia de Pinho Mello. Será que os hospitais referenciados do SUS estão comunicando ao MP? O que a Secretaria de Estado da Saúde faz com esses gráficos em mãos? O Estado está sendo um dos maiores violadores da lei, ao não dar o exemplo e tomar as providências necessárias”, questionou. Para ele, um dos problemas do déficit de atendimento está no orçamento destinado à área.

Ponderado em relação à questão das internações psiquiátricas, o promotor disse ainda que elas devem ocorrer em caso do paciente colocar em risco a própria vida, no entanto a indicação deve partir da avaliação clínica de profissional especializado e não de um juiz. Ele defendeu também os avanços que Suzano vêm demonstrando frente às outras cidades.

Maurício Okamura, psiquiatra e coordenador da unidade de psiquiatria do Hospital Luzia de Pinho Melo, criticou o fato de a maior cidade da região não possuir uma rede articulada de atendimento e classificou a situação como caótica. Segundo os profissionais presentes no debate, há mais de dez anos é aguardada a municipalização do Ambulatório de Mogi das Cruzes. Okamura salientou que enquanto se defende a desinternação, a política de saúde mental mogiana visa criar mais internações.

No encerramento das exposições, Fernando Catelan, usuário da Associação Loucos pela Vida, fez um relato sobre o seu processo que no início dos anos 1990 incluiu internações. Engenheiro, ele foi internado e vítima de tratamento inadequado, após um surto em 1991. “Recebi diagnóstico de esquizofrenia, quando o que tenho é transtorno bipolar afetivo. Com isso, a forma de tratamento, posologia medicamentosa, enfim tudo foi errado. Vivi um holocausto. Demorou bastante tempo para que fosse diagnosticado o meu problema”. Acompanhado dos pais e da noiva, Catelan defendeu o respaldo familiar para a reabilitação.

A atividade, apoiada pela Prefeitura de Suzano, reuniu a secretária de Saúde de Arujá, Dagmar Barbosa Corato, profissionais de saúde mental das cidades do Alto Tietê, o representante da Câmara Técnica de Saúde Mental do Cremesp (Conselho regional de Medicina do Estado de São Paulo), Mauro Aranha Lima, e a terapeuta ocupacional da Associação Loucos pela Vida, Sueli Souza Benante.
________________________________________Cecília Figueiredo

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