TALITA BEDINELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Em duas unidades gerenciadas por entidades nas regiões leste e sul da cidade, crianças ficam próximas a botijões de gás
De cada dez creches criadas pela gestão Kassab, nove são gerenciadas por ONGs; política é a principal aposta para reduzir fila de espera
Para chegarem a uma das sete salas de aula da creche Vitorino, na Vila Progresso (zona leste de São Paulo), as 151 crianças enfrentam uma escadaria, já que a unidade funciona sobre uma loja de materiais de construção, num prédio antes usado como conjunto comercial.
Como opção de lazer, só uma varanda com brinquedos, onde ficam também os botijões de gás industrial utilizados pela cozinha. A Vitorino é uma das creches terceirizadas criadas na gestão Gilberto Kassab (DEM) -a terceirização é a maior aposta do prefeito para diminuir a fila de espera, que hoje é de 67 mil crianças.
De cada dez creches criadas na atual gestão, nove são administradas por ONGs com verba pública. Nas últimas duas semanas, a Folha visitou 18 creches conveniadas nos extremos sul e leste de São Paulo e descobriu casos como o da Mão Cooperadora, na Vila Natal (zona sul), que também funciona sobre uma loja de materiais de construção que vende, inclusive, botijões de gás.
O convênio com a creche foi assinado na gestão anterior, mas renovado, após fiscalização, por Kassab. A prefeitura informou que irá vistoriar a unidade, que será fechada se houver alguma irregularidade.
Uma auditoria do TCM (Tribunal de Contas do Município) de julho do ano passado apontou que essas entidades têm professores menos preparados -há nelas um professor com formação universitária para cada 59,5 alunos; nas unidades gerenciadas pela prefeitura, a taxa é de um para 4,8 crianças.
Os educadores dessas ONGs não podem ser treinados pela prefeitura, já que não são funcionários públicos, explica Salomão Ximenes, advogado da Ação Educativa e do Movimento Creche para Todos, ONGs ligadas à questão da educação.
As creches administradas pelas organizações também recebem menos verba -em dezembro do ano passado, por exemplo, a prefeitura gastou R$ 83 milhões com as então 1.243 creches da cidade. Apenas 46% desse dinheiro foi para os convênios, que, na época, gerenciavam 72% das creches.
Segundo a Secretaria da Educação, das 397 creches criadas desde o início da gestão José Serra/Kassab, em 2005, só 25 são da prefeitura -94% são administradas por organizações. O dado inclui creches de administração indireta (gerenciadas por ONGs em prédios da prefeitura) e conveniadas (administradas por ONGs em prédios particulares).
Ao todo, hoje existem 641 unidades conveniadas, algumas funcionando em locais considerados inapropriados por educadores para crianças pequenas. A Vitorino, segundo a prefeitura, "garante todos os ambientes exigidos para o funcionamento de uma creche".
Em parte dos locais visitados pela Folha, as creches funcionam em casas adaptadas para as crianças, cuja única opção de lazer são varandas e garagens. Uma deliberação do Conselho Municipal de Educação de São Paulo, de 1999, afirma que as creches devem ter, obrigatoriamente, áreas verdes e espaços que possibilitem às crianças atividades de lazer.
"É como prender uma criança num presídio. Ela fica o dia todo dentro da mesma sala, com as mesmas crianças, com o mesmo adulto e não têm uma experiência diversa", diz a professora da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) Tizuko Kishimoto.
Para a professora Maria Letícia Nascimento, da mesma faculdade, espaços como os vistos pela reportagem prejudicam a possibilidade de as crianças se expressarem.
Há, no entanto, creches conveniadas com bons espaços, como a Jardim Shangrilá, no Grajaú (zona sul), que funciona em uma ampla chácara, com quadra e área verde.
Para Ximenes, a criação de creches conveniadas pode ser positiva, desde que elas sigam as diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Educação. O órgão recomenda, por exemplo, que a área externa para atividades corresponda a pelo menos 20% do total da área construída e tenha pisos variados, como grama, terra e cimento.
Para Kishimoto, a prefeitura tem que intensificar a fiscalização desses espaços. "[Essa situação] é fruto de pouca ou nenhuma fiscalização. O primeiro dispositivo seria exigir formação de professores, o segundo, um espaço físico [adequado]", diz. "Agora nada disso é feito, cada instituição coloca as crianças onde quiser."
Fonte: Folha de SP
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