Infância Urgente

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Omissão do estado agrava violência nos presídios do Espírito Santo

26/05/2009
Patrícia Benvenuti,
De São Paulo

A Justiça do Espírito Santo determinou, nesta segunda-feira (25), a interdição da Casa de Custódia de Viana (Cascuvi), localizada na região metropolitana de Vitória, no Espírito Santo. Com a decisão, nenhum detento poderá mais ser aceito no presídio, e os cerca de 1,2 mil presos atuais terão de ser transferidos para outras unidades.

A interdição do local, que tem capacidade para 390 pessoas, foi resultado das inspeções realizadas nas ultimas semanas por integrantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no sistema carcerário capixaba. Na visita à Cascuvi, os juízes constataram que as instalações estão depredadas e sem condições de segurança, além de outras violações aos Direitos Humanos.

De acordo com denúncias recebidas pelo Conselho Nacional de Política Criminal de Penitenciária (CNPCP), os detentos do presídio são constantemente submetidos a torturas e, no presídio, também há o esquartejamentos de presos.

As inspeções do CNJ também mostraram que a situação caótica de Cascuvi não é exclusiva da unidade. No Departamento de Polícia Judiciária (DPJ) de Vila Velha, por exemplo, 281 pessoas dividiam uma cela com capacidade para 36 detentos, enquanto que no Presídio de Novo Horizonte, no município de Serra, na Grande Vitória, presos provisórios são mantidos em contêineres
adaptados como celas.

Em função da situação dos presídios, o CNPCP solicitou intervenção federalao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, que ainda analisa o pedido.

As denúncias sobre os presídios capixabas, no entanto, não surpreenderam o coordenador nacional da Pastoral Carcerária, Pe. Gunther Alois Zgubic. Para ele, a violência imposta aos detentos é agravada pela conivência das autoridades que, ao tomarem conhecimento das agressões, não tomam qualquer tipo de providência. "É o maior absurdo, é um campo de concentração. Você vê fotos com corpos em situação pior do que em um açougue, coisas terríveis, e o governo olha, as instituições do estado olham e fazem simplesmente nada", denuncia.

Na entrevista a seguir, Pe. Gunther fala sobre o desrespeito aos presos no Espírito Santo, o descaso do estado em relação à violência e as dificuldades para denunciar as más condições das unidades carcerárias.


Qual é a situação do sistema penitenciário do Espírito Santo?

Pe. Gunther Alois Zgubic :A situação carcerária Espírito Santo já era denunciada por organizações de direitos humanos, mas só agora o caso veio a público. O que realmente acontece no estado?

O Espírito Santo é o estado tradicionalmente mais violento e corrupto do país, onde as instituições do Estado, na segurança pública, inclusive por pressão da sociedade e talvez por intervenção federal, só agora estão no início de um avanço em sentido de um estado democrático e de respeito dos direitos básicos do cidadão.

Quais as condições das unidades carcerárias e dos presos?

Na unidade de Cascuvi, que é a Casa de Custódia de Viana, com mais de mil presos, com total superlotação, ocorreu que o governo se negou a reformar a penitenciária após uma rebelião que destruiu muito e até arrancou as portas. O governo disse "já que vocês destroem um presídio, nós não vamos mais investir em vocês", com a consequencia de que o governo nem sabe quantos presos vivem lá dentro e quantos já foram mortos. Pela lei, deve ter uma contagem diariamente, principalmente para pessoas que vem de um ambientes violentos, para eles [presos] não se matarem entre si mesmos.

Nsse último ano, por exemplo, a cada dois meses, na média, encontrou-se partes de corpos. Há poucos dias ocorreu isso, já é a décima primeira pessoa comprovadamente morta. Mas ninguém realmente sabe quantas outras pessoas foram mortas lá dentro entre os próprios presos porque o estado se nega a entrar nesses pavilhões. Os presos estão sozinhos entre si, o governo entrega comida no portão, ninguém do governo entra. Quem rege lá dentro, na verdade, nem são os agentes de segurança penitenciários, mas a Polícia Militar. Aí quando os presos são chamados para o Foro, eles são acorrentados, devem ir quase ajoelhados, e os policiais, com fuzis,
apontam contra os presos.

É o maior absurdo, é um campo de concentração. Você vê fotos com corpos em situação pior do que em um açougue, coisas terríveis, e o governo olha, as instituições do estado olham e fazem simplesmente nada. O que eles fazem é dizer "nós estamos construindo novos presídios", mas com uma lentidão enorme, e falam ainda que o governador não diminuiu a verba, ao contrário de outras políticas. É caso de calamidade, temos uma dívida social de décadas. Então o governo deve investir, tirar as pessoas e colocar guardas lá dentro para que os poucos que estão no crime organizado, aterrorizando os mais de mil presos lá dentro, não tenham mais poder.

Na avaliação da Pastoral, é um caso de omissão do estado?

É uma omissão total não somente neste presídio. Temos os famosos presídios de contêineres, em dois andares, o térreo e o primeiro andar, onde há espancamento, não tem água, imposições terríveis. E o estado mostra somente que está construindo, mas há anos não resolve os problemas. E temos outros casos. Até poucos meses atrás, porque nós denunciamos isso no ano anterior, tinha um policial militar que era torturador, bêbado,dependente de drogas, que organizava o narcotráfico e tinha ilegalmente adolescentes dentro da penitenciária velha de Colatina, espancando as
crianças. E ninguém fazia nada.

Os próprios funcionários da Secretaria da Justiça me falam "padre, nós não temos possibilidade de trabalhar porque a Polícia Militar se impõe aqui ilegalmente". Um estado que não é capaz de arrumar minimamente todo um sistema, no caso o sistema penitenciário do Espírito Santo, precisa de uma intervenção e de um monitoramento nacional, federal, ou até internacional.

Por isso estamos felizes que o Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária tenha acatado as denúncias e a documentação, que inclui também as fotos, e esteja se debruçando sobre esse desafio e até levado a questão para a Procuradoria-geral da República. Nós, da Pastoral Carcerária, vamos fazer também uma mobilização nacional das nossas bases para que a Procuradoria-geral da República assuma o caso.

Por que demorou tanto para as autoridades tomarem uma decisão a respeito do sistema penitenciário do Espírito Santo? O senhor acredita que a situação não vinha recebendo atenção devida, nesse sentido?

Por parte da mídia, sim. Tem uma série de estados, como o Espírito Santo,onde a mídia é simplesmente escrava dos poderes da elite. E para se denunciar algo no Espírito Santo é quase impossível. É preciso da mídia em São Paulo, no Rio de Janeiro ou em Brasília para que esse caso, esse escândalo se torne conhecido no próprio Espírito Santo e até nacionalmente. Então você vê que é uma pseudodemocracia, é um engano.

É claro que não é moralista, para acabar com certos políticos, mas em todo caso, esse caso precisa de uma intervenção e de uma ajuda para fortalecer a seriedade e qualidade de vida que minimamente um Estado Democrático de Direito precisa. Nós temos o caso onde um juiz deixou matar seu colega há poucos anos atrás porque ele [juiz que morreu] não queria fazer parte dessa podridão do narcotráfico e da corrupção organizada em relação ao sistema de segurança pública. Aí o que ocorreu: o juiz [que mandou matar] recebeu uma pena alternativa. Um juiz deixa matar pelo crime organizado seu colega, que era alguém que teria nos ajudado, nós que queremos ética
no sistema penal. Isso mostra que o próprio Tribunal do Espírito Santo e as outras instituições nunca mostraram força. Se lá rege o crime organizado, é porque os Direitos Humanos no mínimo não são respeitados.

Nenhum comentário: