Infância Urgente

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Epidemia de lucro

A epidemia de gripe suína que dia-a-dia ameaça expandir-se a mais regiões do mundo não é um fenómeno isolado. Faz parte da crise generalizada e tem as suas raízes no sistema de criação industrial de animais dominado por grandes empresas transnacionais.

No México, as grandes empresas de criação de aves e suínos têm proliferado amplamente nas águas (sujas) do Tratado de Livre Comércio da América do Norte. Um exemplo é a Granja Carroll, em Veracruz, propriedade da Smithfield Foods, a maior empresa de criação de porcos e processamento de produtos suínos no mundo, com filiais nos EUA, na Europa e na China. Na sua sede em Perote começou há algumas semanas uma virulenta epidemia de enfermidades respiratórias que atingiu 60% da população de La Gloria, facto informado por La Jornada em várias oportunidades a partir das denúncias dos habitantes locais. Desde há vários anos eles travam uma dura luta contra a contaminação provocada pela empresa e têm sofrido, inclusive, repressão das autoridades devido às suas denúncias. A Granjas Carroll declarou que não está relacionada nem é a origem da actual epidemia, alegando que a população tinha uma gripe "comum". Por via das dúvidas, não fizeram análises para saber exactamente de que vírus se tratava.

Em contraste, as conclusões do painel Pew Commission on Industrial Farm Animal Prodution (Comissão Pew sobre Produção Animal Industrial), publicadas em 2008, afirmam que as condições de criação e confinamento da produção industrial, sobretudo em suínos, criam um ambiente perfeito para a recombinação de vírus de diferentes estirpes. Mencionam inclusive o perigo de recombinação da gripe avícola e da suína e como finalmente podem chegar a recombinar-se em vírus que afectem e sejam transmitidos entre humanos. Mencionam também que por muitas vias, incluindo a contaminação das águas, pode chegar a localidades afastadas, sem aparente contacto directo. Um exemplo do que devemos aprender é o surgimento da gripe avícola – ver, por exemplo, o relatório da GRAIN, que ilustra como a indústria avícola criou a gripe avícola: http://www.grain.org/ .

Porém, as respostas oficiais à crise actual, além de tardias (esperaram que os Estados Unidos anunciassem primeiro o surgimento do novo vírus, perdendo dias preciosos para combater a epidemia), parecem ignorar as causas reais e mais contundentes.

Mais do que enviar estirpes de vírus para o seu sequenciamento genómico a cientistas, como Craig Venter, que enriqueceram com a privatização da investigação e dos seus resultados (sequenciamento que certamente já foi feito por pesquisadores públicos do Centro de Prevenção de Enfermidades em Atlanta, EUA), o que é preciso entender é que esse fenómeno irá continuar a repetir-se enquanto existirem as incubadoras destas doenças.

Já na epidemia, são também transnacionais as que mais lucram: as empresas biotecnológicas e farmacêuticas que monopolizam as vacinas e os antivirais. O governo anunciou que tinham um milhão de doses de antígenos para atacar a nova variedade de gripe suína; porém, nunca informou a que custo.

Os únicos antivirais que ainda têm acção contra este novo vírus estão patenteados na maior parte do mundo e são de propriedade de duas grandes empresas farmacêuticas: o zanamivir, com nome comercial Relenza, comercializado pela GlaxoSmithKline, e o oseltamivir, cuja marca comercial é Tamiflu, patenteado pela Gilead Sciencies, licenciado de forma exclusiva pela Roche. A Glaxo e a Roche são, respectivamente, a segunda e a quarta empresas farmacêuticas à escala mundial e, igualmente como no restante de seus remédios, as epidemias são as suas melhores oportunidades de negócio.

Com a gripe avícola, todas elas lucraram centenas ou milhões de dólares. Com o anúncio da nova epidemia no México, as acções da Gilead subiram 3%, as da Roche 4% e as da Glaxo 6%; e isso é só o começo.

Outra empresa que persegue esse sumarento negócio é a Baxter, que solicitou amostras do novo vírus e anunciou que poderia dispor da vacina em 13 semanas. A Baxter, outra farmacêutica global (22º lugar), em Fevereiro de 2009 teve um "acidente" na sua fábrica na Áustria, Enviou um produto contra a gripe para a Alemanha, Eslovênia e República Tcheca contaminado com vírus da gripe avícola. Segundo a empresa "foram erros humanos e problemas no processo", do qual não pode dar patenteados, "porque teria que revelar processos patenteados".

Precisamos não só enfrentar a epidemia da gripe como também a do lucro.

por Silvia Ribeiro
Investigadora do grupo ETC

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