É. Nós estivemos lá, acompanhando a reunião do chamado “Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra”, no dia 05/06/2009. 400 km de viagem e presenciamos o que consideramos a cena mais ignota, mais indigna da nossa história e do nosso povo.
Pela primeira vez encontramos todo um aparato tecnológico montado. Ao abrir a reunião, a presidenta fez questão de tentar intimidar os conselheiros e as conselheiras, avisando que tudo seria gravado (já executando o escrito pelo seu patrão o Governador Serra ”o Movimento Negro deve ser reprimido”). Falou também da própria emoção ao participar no dia anterior da cerimônia em que o governador apresentou o arremedo da Lei Caó enviada ‘a Assembléia Legislativa. Bem se vê que sua saúde realmente não anda boa...
Seguiu-se algumas falas mornamente constrangidas do Sr. Leandro da Silva Rosa, da Assessoria de Gênero e Etnias e do Dr. Luís Eduardo Batista, da Secretaria da Saúde, sobre os trabalhos que ambos vêm desenvolvendo respectivamente na cultura e na saúde, tentando com isso provar que o governo estadual está sim desenvolvendo políticas concretas de promoção da igualdade racial. A outra pessoa convocada para completar o “relatório”, representante da Delegacia de delitos raciais não compareceu.
Na seqüência, conselheiros e conselheiras começaram a fazer uma narrativa burocrática do papel que desempenharam nas Conferências Regionais de Promoção da Igualdade Racial.
Enquanto isoo a presidenta manifestava o sua preocupação em garantir que todos e todas usassem o microfone, na sala minúscula, para garantir que tudo realmente fosse gravado.
Seguiram-se falas ainda mais constrangedoras de alguns conselheiros preocupados em chamar o papel dos membros do Conselho para a garantia da ordem e do bom andamento da Conferência Estadual, a evitar “perda de tempo” com discussões...
De tempos em tempos entrava na sala uma senhora para lembrar que o Secretário da Justiça estava aguardando os Conselheiros. Isso quando a própria presidenta não chamava a atenção para esse detalhe, apressando o término da reunião.
Lembramo-nos do conteúdo do e-mail enviado aos conselheiros dois dias antes informando “(...) no 05/06/2009 após a reunião extraordinária que acontecerá na sede do Conselho, fomos chamados pelo Secretário da Justiça, Sr. Luiz Antonio Guimarães Marrey, para uma reunião na secretaria da Justiça. Portanto após o término da nossa reunião nos encaminharemos para Secretaria da Justiça com a finalidade de participar da referida reunião”.
Nos veio à cabeça um quadro de prostituição da antiga “Escolinha do Professor Raimundo”, onde uma mulher vestida com uma saia curta que deixava à mostra suas nádegas abundantes e rebolativas dizia algo assim “chamô, chamo, chefim?”
Terminados os relatos burocráticos, silêncio... Tinha acabado a pauta, que aliás não fora apresentada no início? A presidenta consultou se alguém mais tinha algo a dizer...
Então o conselheiro Paulo César Pereira de Oliveira passou a fazer uso da palavra, chamando a atenção daquele colegiado para o momento crítico que a questão racial está passando no Estado, para a necessidade de uma resposta altiva e precisa à postura racista e anti-movimento negro do governo, explicitadas na escrita do governador Serra e na fala do Secretário Lobo. Convidou o grupo a apresentar sua renúncia coletiva, como demonstração de que não compactuavam com o que estava ocorrendo e que exigiam a criação da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, com dotação orçamentária e estrutura para articular e executar uma política real de combate ao racismo e promoção da igualdade racial. Apresentou de imediato a própria renúncia e reforçou o convite aos demais para fazer o mesmo.
Nos empolgamos com a contundência e coerência do conselheiro, em contraste com tepidez e insipidez do que havia ocorrido até aquele momento na reunião. Não nos contivemos e aplaudimos.
Silêncio... A presidenta consultou outra vez se mais alguém queria falar... O que se seguiu foi de uma indignidade tamanha, que não encontramos as palavras corretas para descrever. Ainda bem que está tudo gravado. O microfone passou de uma mão para outra e o que se ouvia eram falas de contemporização e subserviência.
Um conselheiro falou doloridamente da falta de estrutura do Conselho, da peregrinação cotidiana da presidenta para tentar conseguir algum avanço dentro do governo, sem sucesso, e da exploração por parte do governo do trabalho de voluntárias e voluntários que prestam serviço ao órgão de graça durante as férias.
Outra conselheira reivindicou um “pedido de desculpas” do governador. Mas do que ele iria se desculpar, se escreveu exatamente o que pensa?
O Elemoso Paulo César rebateu lembrando que o que falta ao conselho é “postura político-ideológica” e não estrutura.
Ouvimos de vários conselheiros, inclusive representantes da sociedade civil, que “só será possível fazer alguma coisa estando dentro da estrutura de poder”, por isso não iriam renunciar, explicitando que não são movimento social negro e nem acreditam nele, que ali são parte do poder e não representantes da população negra.
Nos lembramos de um antigo texto do meu grande amigo Henrique Cunha Jr., no qual ele chamou de “negros do meio” esses títeres que ignoram as demandas e necessidades do povo negro e seguem em frente atrapalhando o nosso avanço no combate ao racismo. Creio que são os mesmos que nós chamamos de feitores e capitães do mato.
Que desespero... Quisemos chamar a atenção dos conselheiros e das conselheiras para a gravidade do momento histórico que estamos vivenciando, para a reação violenta da mídia, das elites e de um setor da intelectualidade brasileira contra os pequenos avanços que conquistamos até o momento, para a necessidade de aproveitar o momento histórico para uma ação política de impacto... Não pudemos falar. A presidenta nos lembrou que “democracia tem limites”. Lembramos que o conceito de democracia da presidente avançou. Há dois anos atrás ela nos negou o direito a adentrar o recinto de uma reunião do Conselho. Desta vez a presença foi franqueada, somente a palavra foi negada.
Estava encerrado? As pessoas começaram a se movimentar. Alguém lembrou que faltava decidir o que iriam pedir ao Secretário Marrey. A senhora presidenta apressada, disse que isso poderia ser conversado no caminho.
Última tentativa. O Conselheiro Paulo César mais uma vez, pediu encarecidamente que o Conselho tirasse pelo menos um documento de repúdio ao governador Serra e ao secretário Lobo, e que tirassem o consenso que o único assunto a conversar com o governo fosse o avanço para a criação da Secretaria.
Dispersão de olhares e palavras. O cortejo fúnebre se organizava para sair. Eram muitas mãos, petistas, tucanas e outras, para o pequeno caixão e para o mirrado defunto. Mas cada um e cada uma ali sabia que vantagem pessoal ainda seria possível tirar do “morto”. E a coveira-mor, ‘a frente, orquestrava a procissão. Estava tudo amarrado, e não era em nome de Jesus.
PONTO FINAL!
Profa. Silvany Euclênio
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